Estados desunidos de Trump
Ao ser condescendente com o movimento racista, o presidente americano mostra não ter a liderança moral esperada de um ocupante da Casa Branca
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Pressionado por sua condenação tíbia, Trump, na segunda-feira (14), deixou o Twitter e falou na Casa Branca. Sacou uma folha de papel do bolso esquerdo do paletó e leu: “Nós condenamos, nos termos mais fortes possíveis, essa demonstração de ódio, estupidez e violência”. No dia seguinte, porém, Trump voltou a ser Trump. Numa visita a Nova York, o presidente foi questionado por jornalistas sobre o atentado de Charlottesville. Trump falou de improviso – e com o coração. Em vez de falar “nós”, como fizera no discurso decorado, Trump passou para o “eu”. Do coletivo, passou ao individual. Da união, à segregação.
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Trump foi eleito com o apoio da extrema-direita. O grupo Ku Klux Klan (KKK) manifestou apoio oficial ao candidato do Partido Republicano. Seu estrategista de campanha foi Steve Bannon, diretor do site de pós-verdades e meias mentiras Breitbart News, de opiniões de extrema-direita, conhecido por manchetes ofensivas que promovem ideias racistas, antimuçulmanas e anti-imigrantes. Com a eleição de Trump, Bannon se tornou estrategista-chefe da Casa Branca e ganhou posição até no Conselho de Segurança Nacional. Na sexta-feira (18), Bannon deixou o cargo “de comum acordo” – após pressão de outros integrantes do governo por causa de Charlottesville e disputas internas, aguçadas por uma entrevista em que desancou colegas.
Sem encontrar um farol moral em Trump, a sociedade americana buscou exemplos e atitudes fora da Casa Branca. Na segunda-feira, Kenneth Frazier, chefe da Merck Pharmaceuticals e um dos principais executivos negros do país, anunciou que estava renunciando ao Conselho Americano de Manufatura (grupo de conselheiros de Trump formado por CEOs de grandes empresas americanas) em protesto contra as declarações iniciais do presidente. Três outros CEOs seguiram seu exemplo. “Essa saída dos líderes empresariais do Conselho de Trump mostra que nos últimos anos houve mudanças significativas na cultura”, afirma Steven Gregory, professor de antropologia da Universidade Columbia, em Nova York, especializado em questões de raça e classe. “Não porque eles sejam exemplos de justiça social, mas porque perceberam que o público espera que as marcas se posicionem e passem mensagens positivas. Não aceitam mais o silêncio.”
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Mais de 30 milhões de pessoas assistiram ao programa jornalístico Vice News Tonight sobre o conflito em Charlottesville. A reportagem de 22 minutos, que acompanhou um grupo que participou da manifestação contra a remoção da estátua do general Lee, foi compartilhada
nas redes sociais. No vídeo, o supremacista branco Christopher Cantwell fala sobre as estratégias do movimento de extrema-direita Unite the Right e faz afirmações como “não somos não violentos, vamos matar essas pessoas se precisarmos” sem pestanejar.
Na quarta-feira (16), o Spotify removeu dezenas de músicas de seu serviço de streaming – depois de uma denúncia feita por um jornalista que apontou a presença de 37 bandas cujas músicas incitam o ódio. No lugar, o Spotify criou uma lista de músicas chamada “Patriotic Passion”. Com canções que vão de Jimi Hendrix a Lady Gaga e incentivam a tolerância à diversidade, a playlist patriótica é descrita como “uma trilha sonora para uma América pela qual vale a pena lutar”. O Spotify vinha sendo usado pelos grupos de extrema-
direita para recrutar simpatizantes a partir das preferências musicais. A medida mostra como o ambiente de rede se tornou um território em disputa por corações e mentes. “As mídias sociais permitem que movimentos que antigamente se mantinham locais se expandam, tornando-se nacionais e até transnacionais”, diz David Leonard, professor do Departamento de Cultura da Universidade da Califórnia, que estuda questões de gênero e raça.
Trump chegou à Presidência dos Estados Unidos como um político pop, com a imagem construída em um reality show da televisão e ideias simplistas que cabem nos 140 caracteres de um tuíte. Mas a rede que lhe serve de plataforma de promoção também pode ser usada para enfrentá-lo. No sábado (12), o ex-presidente Barack Obama publicou em sua conta no Twitter uma foto em que ele aparece cumprimentando um grupo de crianças pela janela de uma creche (leia abaixo). A foto veio acompanhada de uma citação do ex-presidente sul-africano Nelson Mandela, grande promotor da ideia da superação do racismo pela reconciliação: “Ninguém nasce odiando outra pessoa por causa de sua cor da pele, sua criação ou sua religião”. O tuíte tornou-se o mais curtido da história, com mais de 4 milhões de likes. Para cada tocha de intolerância, há uma vela de esperança.
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