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Estados desunidos de Trump

Estados desunidos de Trump



Ao ser condescendente com o movimento racista, o presidente americano mostra não ter a liderança moral esperada de um ocupante da Casa Branca

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   
                                                                  

Extremistas de direita em torno da estátua do General Lee (Foto: Edu Bayer/The New York Times)
Nenhum presidente dos Estados Unidos foi propriamente santo. Barack Obama, ganhador do Prêmio Nobel da Paz, descumpriu a promessa de fechar Guantánamo e foi campeão no uso de drones em operações militares. Bill Clinton, responsável pelo mais longo período de  prosperidade do país, mentiu para encobrir uma relação extraconjugal. Richard Nixon renunciou para escapar de um impeachment, por envolvimento na espionagem do comitê de campanha do partido adversário, no hotel Watergate. Nenhum foi santo. Mas todos eles assumiram a Presidência cientes de que deveriam representar o equilíbrio e a ponderação num país diverso. Nem sempre isso pareceu simples ou óbvio. Após os ataques de 11 de setembro de 2001, perpetrados pelo muçulmano Osama bin Laden, George W. Bush foi a público evitar a polarização e o preconceito. “Aqueles que fazem o mal em nome de Alá blasfemam o nome de Alá”, disse Bush. “Nós respeitamos sua fé.” Ao servir de reserva e farol moral, os ocupantes da Casa Branca historicamente cumpriram sua obrigação de manter o país unido. Menos Donald Trump. Ele é o primeiro presidente americano que não é, nem pretende ser, um ponto de equilíbrio. A Trump, falta a qualificação para governar o país mais poderoso do mundo.
Pacifistas em vigília no campus da universidade de Charlotesville (Foto:  Jason Lappa/The New York Times)
A reação aos atentados na cidade de Charlottesville, no estado de Virgínia, e em Barcelona, na Espanha, serviu para a constatação inequívoca da incapacidade moral de Trump. Três horas depois de uma van atropelar mais de 100 turistas em Barcelona (17), deixando 13 mortos, o presidente publicou no Twitter: “Os Estados Unidos condenam o ataque terrorista na Espanha e farão o que for necessário para ajudar. Sejam fortes, nós amamos vocês”. Quando um carro atropelou mais de 20 manifestantes no estado de Virgínia, no dia 12, os dedos curtos e nervosos de Trump demoraram horas para tuitar. Outros republicanos, como o presidente da Câmara, Paul Ryan, o atual presidente do Comitê Nacional Republicano, Ronna Romney McDaniel, e até a primeira-dama, Melania Trump, optaram por falar abertamente sobre a situação. Usaram hashtags e palavras como “Nazi”, “KKK”, “Charlottesville” e “intolerância”, adotadas por aqueles que testemunharam a violência perto da Universidade Virgínia. Quando tuitou sobre Charlottesville, Trump foi bem mais reticente. “Condolências à família da jovem mulher morta hoje e saudações a todos os feridos em Charlottesville, Virgínia. Que triste!”
>> Trump é mentalmente equilibrado?
Pressionado por sua condenação tíbia, Trump, na segunda-feira (14), deixou o Twitter e falou na Casa Branca. Sacou uma folha de papel do bolso esquerdo do paletó e leu: “Nós condenamos, nos termos mais fortes possíveis, essa demonstração de ódio, estupidez e violência”. No dia seguinte, porém, Trump voltou a ser Trump. Numa visita a Nova York, o presidente foi questionado por jornalistas sobre o atentado de Charlottesville. Trump falou de improviso – e com o coração. Em vez de falar “nós”, como fizera no discurso decorado, Trump passou para o “eu”. Do coletivo, passou ao individual. Da união, à segregação.
Um contra todos (Foto: Época )
“Eu acho que há culpa dos dois lados.  Havia gente muito má naquele grupo. Mas você também tinha gente muito boa. Em ambos os lados”, disse Trump, diante de uma audiência desconcertada com o que ouvia. “Havia gente boa lá protestando contra a perda de uma estátua [o protesto da extrema-direita em Charlottesville era contra a remoção de uma estátua do general Robert Lee, chefe do Exército confederado na Guerra Civil Americana]. George Washington era proprietário de escravos... Vamos derrubar as estátuas de George Washington?” Muitos atribuíram a reação de Trump, diante de uma tragédia em seu próprio país, aos simpatizantes que ele coleciona no grupo autor do atentado: militantes racistas da extrema-direita.
>> Trump erodiu o poder americano
Trump foi eleito com o apoio da extrema-direita. O grupo Ku Klux Klan (KKK) manifestou apoio oficial ao candidato do Partido Republicano. Seu estrategista de campanha foi Steve Bannon, diretor do site de pós-verdades e meias mentiras Breitbart News, de opiniões de extrema-direita, conhecido por manchetes ofensivas que promovem ideias racistas, antimuçulmanas e anti-imigrantes. Com a eleição de Trump, Bannon se tornou estrategista-chefe da Casa Branca e ganhou posição até no Conselho de Segurança Nacional. Na sexta-feira (18), Bannon deixou o cargo “de comum acordo” – após pressão de outros integrantes do governo por causa de Charlottesville e disputas internas, aguçadas por uma entrevista em que  desancou colegas.
Guru de Trump, Bannon atraiu apoios da extrema-direita. Caiu após rixas internas na Casa Branca
Sem encontrar um farol moral em Trump, a sociedade americana buscou exemplos e atitudes fora da Casa Branca. Na segunda-feira, Kenneth Frazier, chefe da Merck Pharmaceuticals e um dos principais executivos negros do país, anunciou que estava renunciando ao Conselho Americano de Manufatura (grupo de conselheiros de Trump formado por CEOs de grandes empresas americanas) em protesto contra as declarações iniciais do presidente. Três outros CEOs seguiram seu exemplo. “Essa saída dos líderes empresariais do Conselho de Trump mostra que nos últimos anos houve mudanças significativas na cultura”, afirma Steven Gregory, professor de antropologia da Universidade Columbia, em Nova York, especializado em questões de raça e classe. “Não porque eles sejam exemplos de justiça social, mas porque perceberam que o público espera que as marcas se posicionem e passem mensagens positivas. Não aceitam mais o silêncio.”
>> Eleição de Trump cria uma era de incertezas
Mais de 30 milhões de pessoas assistiram ao programa jornalístico Vice News Tonight sobre o conflito em Charlottesville. A reportagem de 22 minutos, que acompanhou um grupo que participou da manifestação contra a remoção da estátua do general Lee, foi compartilhada
nas redes sociais. No vídeo, o supremacista branco Christopher Cantwell fala sobre as estratégias do movimento de extrema-direita Unite the Right e faz afirmações como “não somos não violentos, vamos matar essas pessoas se precisarmos” sem pestanejar.
Na quarta-feira (16), o Spotify removeu  dezenas de músicas de seu serviço de streaming – depois de uma denúncia feita por um jornalista que  apontou a presença de 37 bandas cujas músicas incitam o ódio. No lugar, o Spotify criou uma lista de músicas chamada “Patriotic Passion”. Com canções que vão de Jimi Hendrix a Lady Gaga e incentivam a tolerância à diversidade, a playlist patriótica é descrita como “uma trilha sonora para uma América pela qual vale a pena lutar”.  O Spotify vinha sendo usado pelos grupos de extrema-
direita para recrutar simpatizantes a partir das preferências musicais. A medida mostra como o ambiente de rede se tornou um território em disputa por corações e mentes. “As mídias sociais permitem que movimentos que antigamente se mantinham locais se expandam, tornando-se nacionais e até transnacionais”, diz David Leonard, professor do Departamento de Cultura da Universidade da Califórnia, que estuda questões de gênero e raça.
Trump chegou à Presidência dos Estados Unidos como um político pop, com a imagem construída em um reality show da televisão e ideias simplistas que cabem nos 140 caracteres de um tuíte. Mas a rede que lhe serve de plataforma de promoção também pode ser usada para enfrentá-lo. No sábado (12), o ex-presidente Barack Obama publicou em sua conta no Twitter uma foto em que ele aparece cumprimentando um grupo de crianças pela janela de uma creche (leia abaixo). A foto veio acompanhada de uma citação do ex-presidente sul-africano Nelson Mandela, grande promotor da ideia da superação do racismo pela reconciliação: “Ninguém nasce odiando outra pessoa por causa de sua cor da pele, sua criação ou sua religião”. O tuíte tornou-se o mais curtido da história, com mais de 4 milhões de likes. Para cada tocha de intolerância, há uma vela de esperança.
Todos contra um (Foto: Época )

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