Temos de ser gratos a Dilma, falo a sério!, por ela ter cometido crime de responsabilidade
É preciso que a gente entenda, na prática, o que quer dizer o duplo caráter do impeachment: jurídico e político
Este texto tem um objetivo: conclamar o leitor a ser grato a Dilma Rousseff por ter cometido crime de responsabilidade. Não fosse isso, estaríamos fritos. Vamos ver.
Convenham: já ninguém aguenta mais, e nada há a acrescentar ou a contestar. Como vocês viram, o senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), relator do processo de impeachment na Casa, apresentou nesta terça parecer favorável ao impedimento da petista. O documento, com 441 páginas, aponta o que todo mundo sabe: Dilma cometeu crime de responsabilidade.
Não se trata de questão de avaliação, mas de fato, como veremos já. Será que ela vai cair só por isso? Bem, esse é o fato jurídico, a condição necessária de sua queda. Para que o impeachment encontrasse as condições suficientes, outros fatores se impuseram. Já chego lá.
No texto, Anastasia afirma que Dilma cometeu um “atentado contra a Constituição”. Ele considera que houve ilegalidade nos dois pontos que sustentam a denúncia: a abertura de créditos suplementares sem autorização do Congresso e a realização das pedaladas fiscais, como ficaram conhecidas as operações irregulares de crédito com o Banco do Brasil para a realização do Plano Safra.
No parecer, Anastasia acusou ainda o governo Dilma de ter cometido uma “expansão insustentável dos gastos públicos” e disse que se instalou “um vale-tudo” orçamentário e fiscal. Para ele, o trabalho da comissão mostra que houve um “sistemático e abrangente descumprimento de princípios basilares” da boa administração pública e do estado de direito.
Mas isso aconteceu? Aconteceu. É crime de responsabilidade? É. O Artigo 85 da Constituição diz que comete tal crime o presidente que atente contra qualquer dos dispositivos constitucionais. Mas há sete circunstâncias que tornam isso especialmente grave. No inciso VI, especifica-se uma delas: atentar contra a lei orçamentária.
O Artigo 10 da Lei 1.079, a chamada Lei do Impeachment, caracteriza como crime de responsabilidade contra a lei orçamentária as seguintes práticas:
– Infringir , patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária;
– ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal;
– ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente.
– Infringir , patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária;
– ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal;
– ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente.
Vamos ver
Não há a menor dúvida de que Dilma autorizou operações de crédito sem autorização do Senado, ignorando, então, a meta estabelecida. E também é evidente que houve a pedalada. São crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária, conforme o estabelecido na Constituição.
Não há a menor dúvida de que Dilma autorizou operações de crédito sem autorização do Senado, ignorando, então, a meta estabelecida. E também é evidente que houve a pedalada. São crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária, conforme o estabelecido na Constituição.
Mas Dilma vai cair só por isso? Resposta: NÃO! Ela cairá também por isso.
Eu não tenho dúvida de que seria fácil apontar crime de responsabilidade cometido por Lula no mensalão. Mas também não duvido de que, se uma denúncia fosse aceita pela Câmara e chegasse a plenário, seria de pronto rejeitada.
O Brasil cresceu 3,2% em 2005 e 4% em 2006. A inflação acumulada ficou, respectivamente, em 5,69% e 3,14%. Mesmo com o escândalo do mensalão, o governo contava com o apoio da maioria dos brasileiros.
A expansão da economia brasileira foi de 0,1% em 2014, e houve um encolhimento de 3,8% no ano passado. O ano de 2014 chegou ao fim com uma inflação de 6,41%, que saltou para 10,67% em 2015. No trimestre de fevereiro a abril deste ano, o desemprego chegou a 11,2%.
Então, querido leitor, junte uma presidente que cometeu, sim, crime de responsabilidade; cujo governo tenha provocado um desastre na economia; que tenha recém-saído de uma reeleição para descumprir todas as promessas solenes que fez e tempere isso tudo com a maior roubalheira da história do país. O que você terá? Impeachment.
É precisamente isso que significa o duplo caráter do processo de impedimento: é jurídico, sim — o crime de responsabilidade precisa ter sido cometido. E foi. Mas é também político. Na verdade, a decisão final cabe aos parlamentares: a Câmara admite ou não a denúncia — e tende a admiti-la se o governo foi desastroso. E os senadores julgam: e tendem a condenar se consideram o governo insustentável.
Sendo assim, sejamos gratos a Dilma: ainda bem que ela cometeu crime de responsabilidade. Ou teríamos de suportá-la até 2018. Se restasse algum Brasil.
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