Deposição de Dilma marcará o fim da última tentação
autoritária
Folhapress | ||
A presidente afastada, Dilma Rousseff, durante entrevista dada à Folha no fim de maio |
A deposição de Dilma Rousseff marcará o fim da última tentação autoritária
com lastro social no Brasil. Malucos a sonhar com tiranos virtuosos sempre
haverá. Sim, também o petismo deixará corações contritos e mentes saudosas.
Na semana passada, andava eu "longes terras", como o poeta, quando meu bolso foi surpreendido por um choque de tempos. Uma amiga me enviou um artigo de Eleonora de Lucena, repórter especial desta Folha, intitulado "Escracho".
Referindo-se ao impeachment de Dilma, escreveu a autora: "A elite brasileira está dando um tiro no pé. Embarca na canoa do retrocesso social, dá as mãos a grupos fossilizados de oligarquias regionais, submete-se a interesses externos, abandona qualquer esboço de projeto para o país".
Eis uma sequência de orações coordenadas que tem tudo para devastar a tal "elite brasileira", o que deveria, sejamos lógicos, deixar Eleonora feliz, já que o texto evidencia a sua indisposição com essa elite nefasta. Em se tratando, como ela diz, de um tiro no pé, por que reclamar?
Eu mal podia crer que lia aquele texto num iPhone. Quando ela arremata seu artigo anunciando a "velha luta de classes escrachada nas esquinas" –uma decorrência, entende-se, da "elevação da extração da mais valia" e do corte de benefícios sociais (que não aconteceu)–, eu voltei ao século 19 e me dei conta de que Eleonora reescrevia Marx. Aplauda-se a ousadia.
A "luta de classes" caracterizada por ele jamais estaria nas esquinas –onde se encontra, no máximo, um arranca-rabo... Segundo o pai do conceito, os golpes da burguesia buscam é mitigar a dita-cuja, nunca explicitá-la, suposta consequência do "golpe" de agora. A esquerda brasileira sempre foi muito pouco... marxista! Ou teria mais admiração pelo capitalismo, a exemplo de Marx, para quem a luta de classes nunca foi uma questão moral, mas apenas o dado de uma equação econômica, social.
A autora repete até o clichê da cartilha esquerdopata nativa, segundo o qual a Revolução de 32 buscava deter o progressismo de Getúlio Vargas –aquele que desferiu um golpe fascistoide em 1937. Como Luiz Carlos Prestes rendeu à "luta anti-imperialista" o cadáver da própria mulher e subiu no palanque de Getúlio, as esquerdas se sentiram autorizadas a transformar em herói o verdugo que mandara torturar e matar comunistas. Não poupava nem as grávidas...
Eleonora vê algum erro no petismo? Ela não se ocupa do assunto. Pois é... A autora até poderia estar certa se a matemática fosse uma invenção das elites ou uma sistematização da natureza que servisse apenas a elas. Mas, para a má sorte de seus sonhos de reparação, a dita-cuja reproduz uma conta que a realidade faz, independentemente de os matemáticos terem compreendido as suas implicações.
Quem gasta mais do que arrecada produz deficit. Quem distribui mais do que produz faz inflação. Pode até ser injusto. Mas, como lembrou Raymond Aron em "O Ópio dos Intelectuais", livro recém-lançado pela editora Três Estrelas, a esquerda é a única corrente de pensamento que se preocupa mais com a fraternidade do que com a igualdade e a liberdade.
Produzir deficit e inflação é um bom jeito de ser fraterno. É uma pena que, assim, as pessoas se tornem menos livres e iguais. Vai ver é por isso que todo esquerdismo termina sempre em ditadura ou em populismo. No segundo caso, no pós-populismo, vêm recessão, desemprego e mais pobreza.
Que bom! Assim Eleonora pode culpar as elites e continuar a sonhar com tiranos virtuosos.
Na semana passada, andava eu "longes terras", como o poeta, quando meu bolso foi surpreendido por um choque de tempos. Uma amiga me enviou um artigo de Eleonora de Lucena, repórter especial desta Folha, intitulado "Escracho".
Referindo-se ao impeachment de Dilma, escreveu a autora: "A elite brasileira está dando um tiro no pé. Embarca na canoa do retrocesso social, dá as mãos a grupos fossilizados de oligarquias regionais, submete-se a interesses externos, abandona qualquer esboço de projeto para o país".
Eis uma sequência de orações coordenadas que tem tudo para devastar a tal "elite brasileira", o que deveria, sejamos lógicos, deixar Eleonora feliz, já que o texto evidencia a sua indisposição com essa elite nefasta. Em se tratando, como ela diz, de um tiro no pé, por que reclamar?
Eu mal podia crer que lia aquele texto num iPhone. Quando ela arremata seu artigo anunciando a "velha luta de classes escrachada nas esquinas" –uma decorrência, entende-se, da "elevação da extração da mais valia" e do corte de benefícios sociais (que não aconteceu)–, eu voltei ao século 19 e me dei conta de que Eleonora reescrevia Marx. Aplauda-se a ousadia.
A "luta de classes" caracterizada por ele jamais estaria nas esquinas –onde se encontra, no máximo, um arranca-rabo... Segundo o pai do conceito, os golpes da burguesia buscam é mitigar a dita-cuja, nunca explicitá-la, suposta consequência do "golpe" de agora. A esquerda brasileira sempre foi muito pouco... marxista! Ou teria mais admiração pelo capitalismo, a exemplo de Marx, para quem a luta de classes nunca foi uma questão moral, mas apenas o dado de uma equação econômica, social.
A autora repete até o clichê da cartilha esquerdopata nativa, segundo o qual a Revolução de 32 buscava deter o progressismo de Getúlio Vargas –aquele que desferiu um golpe fascistoide em 1937. Como Luiz Carlos Prestes rendeu à "luta anti-imperialista" o cadáver da própria mulher e subiu no palanque de Getúlio, as esquerdas se sentiram autorizadas a transformar em herói o verdugo que mandara torturar e matar comunistas. Não poupava nem as grávidas...
Eleonora vê algum erro no petismo? Ela não se ocupa do assunto. Pois é... A autora até poderia estar certa se a matemática fosse uma invenção das elites ou uma sistematização da natureza que servisse apenas a elas. Mas, para a má sorte de seus sonhos de reparação, a dita-cuja reproduz uma conta que a realidade faz, independentemente de os matemáticos terem compreendido as suas implicações.
Quem gasta mais do que arrecada produz deficit. Quem distribui mais do que produz faz inflação. Pode até ser injusto. Mas, como lembrou Raymond Aron em "O Ópio dos Intelectuais", livro recém-lançado pela editora Três Estrelas, a esquerda é a única corrente de pensamento que se preocupa mais com a fraternidade do que com a igualdade e a liberdade.
Produzir deficit e inflação é um bom jeito de ser fraterno. É uma pena que, assim, as pessoas se tornem menos livres e iguais. Vai ver é por isso que todo esquerdismo termina sempre em ditadura ou em populismo. No segundo caso, no pós-populismo, vêm recessão, desemprego e mais pobreza.
Que bom! Assim Eleonora pode culpar as elites e continuar a sonhar com tiranos virtuosos.
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