Os passos que ainda faltam para o Brasil sair da crise
A produção industrial está em crescimento ininterrupto desde março, o dólar desceu recentemente a seu menor nível em mais de um ano, a Bovespa sobe desde janeiro e tanto consumidores quanto empresários têm declarado uma confiança crescente na economia. Se levarmos em conta apenas esses indicadores, dá para pensar que a difícil recessão pela qual o país passa, a mais severa desde o início da década de 30 do século passado, é página virada. Mas o desemprego na casa dos dois dígitos, o desempenho muito ruim do comércio e dos serviços no primeiro semestre do ano e a previsão de retração, pelo segundo ano seguido, de mais de 3% do Produto Interno Bruto (PIB), indicador que mede a geração de riquezas do país, acendem o alerta: talvez seja cedo para o espocar de fogos.
Afinal, a crise está no fim? É fato que muitos economistas têm visto indícios de melhora, mas é preciso fazer a ressalva: há sinais de avanço, o que não significa que a crise econômica esteja se encerrando. O país precisa avançar mais alguns degraus antes de decretarmos que o pior ficou para trás.
Em geral, a retomada da atividade de um país em recessão – caso do Brasil, que vê sua economia encolher desde o segundo semestre de 2014 – ocorre em etapas (ver quadro abaixo). Os passos são paulatinos, a caminhada não é exatamente perfeita e há avanços e retrocessos ao longo do caminho. Ainda assim, é possível enxergar uma lógica – e o Brasil está antes da metade do caminho.
Os indicadores de confiança dos empresários são tidos como o ponto de partida para a melhora da economia. Essa fase o país já venceu. O índice de confiança da indústria, medido pela Fundação Getulio Vargas, por exemplo, subiu de maneira consecutiva nos últimos cinco meses. Em julho, ele atingiu seu maior nível desde junho de 2014 – e, ainda assim, continua em um patamar bastante baixo se considerada a média histórica.
Outro indicador de expectativas é a Bolsa de Valores. Isso porque o mercado financeiro costuma tentar se antecipar aos fatos para aumentar seus ganhos. Em outras palavras: os investidores não esperam as coisas melhorarem para comprar as ações mais promissoras, mas, em vez disso, apostam no cenário que, acreditam eles, está por vir. Isso explica o desempenho da Bovespa neste ano. Desde janeiro, o Ibovespa, principal indicador da Bolsa brasileira, valorizou-se 54%.
O Boletim Focus é outra medida de expectativa, e também ele tem refletido uma melhora do estado de espírito dos agentes econômicos. Esse boletim é elaborado semanalmente pelo Banco Central com base em respostas dadas por uma centena de economistas – e costuma demorar um pouco mais para mostrar a mudança de humores que os indicadores de confiança empresarial. Nele, tanto a previsão para o PIB de 2017 tem subido quanto a para a inflação deste ano têm caído, de maneira ininterrupta, desde junho.
Alguns segmentos da indústria já mostraram sinais positivos nos últimos meses. Em junho, por exemplo, nada menos que dezoito de um conjunto de 24 setores pesquisados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ampliaram sua produção. Olhado isoladamente, o dado seria não mais uma evidência apenas de expectativa, mas sim de resultado efetivo da retomada. Ocorre que, na maior parte dos casos, o desempenho melhorou basicamente porque a base está muito baixa – e, assim, qualquer movimento adiante já se reflete nas estatísticas. Se comparados com junho de 2015, no entanto, o quadro foi outro: vinte de 26 setores apresentaram retração.
Em muitos casos, o dólar alto, especialmente no primeiro trimestre, quando se manteve acima de 3,60 reais, ajudou a inflar as vendas ao exterior de setores exportadores. “A exportação líquida é o que parece estar puxando a produção industrial para cima no momento”, diz Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central e professor do Insper.
Assim, a aparente recuperação da indústria pode ser passageira, efeito do dólar valorizado – ainda que em trajetória de queda – dos primeiros meses do ano, que deixou as importações mais caras e fez com que empresas procurassem os produtos que precisavam no mercado local. Para o diretor de competitividade da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Mario Bernardini, o setor de máquinas, em vez de já estar se recuperando, apenas começa a se estabilizar após uma trajetória de queda iniciada em 2013.
Na lógica da recuperação, antes de o desemprego começar a cair, a evidência aparece no número de pedidos de seguro-desemprego. E de uma maneira que traz um aparente contrassenso. No primeiro semestre deste ano, o número de pedidos de seguro-desemprego caiu em relação ao mesmo período de 2015. Ocorre, que, ao contrário do que se pode supor, o ritmo de pedidos de seguro-desemprego tende a diminuir no meio de um período recessivo. Por dois motivos: as empresas adiam as demissões ao máximo (já que demitir exige despesas altas, e repor vagas é um processo trabalhoso) e os trabalhadores evitam pedir demissão por medo de não achar mais emprego. Isso reduz a rotatividade nas vagas.
Com mais gente contratada, o poder de compra aumenta e, como resultado, as vendas no varejo tendem a se recuperar. Esse indicador fechou o primeiro semestre do ano com uma queda de 7%, seu pior resultado desde 2001. “Mesmo quem tem emprego no momento não está disposto a assumir compromissos”, afirma Flavio Castelo Branco, gerente-executivo da unidade de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
A cereja do bolo para esse hipotético processo de recuperação seria o aumento dos investimentos em infraestrutura. Isso porque eles são uma prova concreta de retomada da confiança na economia brasileira – afinal, investidor algum aporta bilhões de dólares em um país, e em projetos que demoram anos para ser rentáveis, sem estar certo de que o movimento vale a pena. Não significa que outros recursos não virão nesse período, como os que já têm vindo pela Bolsa. Mas o investimento em algo que precisa ser construído demora mais para chegar – e depende de um quadro mais firme na economia. “Para comprar 100 milhões de dólares na Bolsa, bastam cinco minutos”, compara João Luiz Mascolo, professor do MBA Executivo do Insper.
A economia do país começa a apresentar sinais de saída da recessão em que se encontra há dois anos. Mas a retomada ainda está só nos primeiros degraus
Afinal, a crise está no fim? É fato que muitos economistas têm visto indícios de melhora, mas é preciso fazer a ressalva: há sinais de avanço, o que não significa que a crise econômica esteja se encerrando. O país precisa avançar mais alguns degraus antes de decretarmos que o pior ficou para trás.
Em geral, a retomada da atividade de um país em recessão – caso do Brasil, que vê sua economia encolher desde o segundo semestre de 2014 – ocorre em etapas (ver quadro abaixo). Os passos são paulatinos, a caminhada não é exatamente perfeita e há avanços e retrocessos ao longo do caminho. Ainda assim, é possível enxergar uma lógica – e o Brasil está antes da metade do caminho.
Os passos para a saída da crise
Assim como em 2015, o Brasil vai fechar este ano em recessão. Ainda que a recuperação da economia não tenha começado de fato, alguns sinais apontam um ensaio de retomada. Saiba quais são – e quais faltam para que a crise fique no passado
Passo 1 ➤ Índices de confiança
Eles captam a disposição do empresariado de investir – e é com investimento que crescem o produção e emprego. Em julho, o índice de confiança da indústria, medido pela FGV, subiu pelo quinto mês seguido e chegou a seu melhor nível desde junho de 2014
Passo 2 ➤ Bolsa e câmbio
O mercado financeiro sempre tenta antever os movimentos da economia para aumentar seus ganhos. Se a Bolsa engrena períodos de alta, muitas vezes é porque os investidores estão confiantes com o que está por vir. Neste ano, a Bovespa já subiu 54% e o real ficou 24% mais forte em relação ao dólar
Passo 3 ➤ Boletim Focus
O Banco Central elabora semanalmente o Boletim Focus, na qual uma centena de economistas fala o que espera dos principais indicadores da economia. O Focus também é uma medida de confiança, mas seus resultados costumam demorar mais para melhorar que os de confiança empresarial. No boletim, as previsões para o PIB e a inflação têm melhorado de maneira ininterrupta desde junho
Passo 4 ➤ Seguro-desemprego
Ao contrário do que se pode supor, o ritmo de pedidos de seguro-desemprego tende a diminuir no meio de um período recessivo. Por dois motivos: as empresas adiam as demissões ao máximo (já que demitir exige despesas altas) e os trabalhadores evitam pedir demissão por medo de não achar mais emprego. Isso reduz a rotatividade nas vagas. No primeiro semestre deste ano, o número de pedidos de seguro-desemprego caiu em relação ao mesmo período de 2015
Passo 5 ➤ Produção industrial
A produção industrial costuma ser o primeiro indicador de produção da economia a melhorar, já que responde com mais rapidez a fatores de estímulo. Embora o indicador tenha subido de março a junho de maneira consecutiva, isso se explica por um misto de redução de importações (por causa da baixa demanda causada pela recessão) e alta do dólar, que faz com que empresas exportadoras faturem mais, mesmo sem ampliar o volume do que vendem lá fora. O dólar manteve-se em alta até meados do semestre passado
Passo 6 ➤ Emprego
O emprego costuma ser um dos últimos indicadores a apontar a chegada de uma crise – e também um dos últimos a melhorar quando ela acaba. Não por acaso, a menor taxa de desemprego que o país já teve em um só mês, de 4,3%, foi registrada em dezembro de 2014, quando a atual recessão já havia começado. Alguns setores, como a construção civil, ainda estão demitindo
Passo 7 ➤ Varejo
Com a recuperação do emprego, há melhora do poder de compra e maior ímpeto para o consumo, o que faz das vendas do varejo também um indicador que demora mais a responder à melhora da economia. As vendas no varejo ampliado (que incluem automóveis e materiais de construção) no primeiro semestre deste ano foram 9,3% menores que as do mesmo período de 2015
Linha do tempo da retomada
Nessa espécie de “linha do tempo da retomada”, os primeiros sinais a serem percebidos são os que medem as expectativas, o futuro. É nessa fase que o Brasil se encontra. “A melhora da confiança precede qualquer melhora na economia”, explica o coordenador do grupo de Conjuntura do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), José Ronaldo Souza Júnior.Os indicadores de confiança dos empresários são tidos como o ponto de partida para a melhora da economia. Essa fase o país já venceu. O índice de confiança da indústria, medido pela Fundação Getulio Vargas, por exemplo, subiu de maneira consecutiva nos últimos cinco meses. Em julho, ele atingiu seu maior nível desde junho de 2014 – e, ainda assim, continua em um patamar bastante baixo se considerada a média histórica.
Outro indicador de expectativas é a Bolsa de Valores. Isso porque o mercado financeiro costuma tentar se antecipar aos fatos para aumentar seus ganhos. Em outras palavras: os investidores não esperam as coisas melhorarem para comprar as ações mais promissoras, mas, em vez disso, apostam no cenário que, acreditam eles, está por vir. Isso explica o desempenho da Bovespa neste ano. Desde janeiro, o Ibovespa, principal indicador da Bolsa brasileira, valorizou-se 54%.
O Boletim Focus é outra medida de expectativa, e também ele tem refletido uma melhora do estado de espírito dos agentes econômicos. Esse boletim é elaborado semanalmente pelo Banco Central com base em respostas dadas por uma centena de economistas – e costuma demorar um pouco mais para mostrar a mudança de humores que os indicadores de confiança empresarial. Nele, tanto a previsão para o PIB de 2017 tem subido quanto a para a inflação deste ano têm caído, de maneira ininterrupta, desde junho.
Das previsões aos resultados
É importante reiterar que os passos da retomada não são uma regra matemática. A economia de um país complexo como o Brasil é movida pela expectativa e pelas decisões de empresários, consumidores, investidores e governo, que agem ao mesmo tempo e de maneira interdependente. Se há sinais de melhora das expectativas, por exemplo, não significa que elas são um caminho sem volta – até porque, além da crise econômica, o país enfrenta uma política, no centro da qual está o eventual afastamento definitivo de uma presidente da República. “Em uma crise crônica, é difícil a gente ter certeza da recuperação”, diz Souza Júnior.Alguns segmentos da indústria já mostraram sinais positivos nos últimos meses. Em junho, por exemplo, nada menos que dezoito de um conjunto de 24 setores pesquisados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ampliaram sua produção. Olhado isoladamente, o dado seria não mais uma evidência apenas de expectativa, mas sim de resultado efetivo da retomada. Ocorre que, na maior parte dos casos, o desempenho melhorou basicamente porque a base está muito baixa – e, assim, qualquer movimento adiante já se reflete nas estatísticas. Se comparados com junho de 2015, no entanto, o quadro foi outro: vinte de 26 setores apresentaram retração.
Em muitos casos, o dólar alto, especialmente no primeiro trimestre, quando se manteve acima de 3,60 reais, ajudou a inflar as vendas ao exterior de setores exportadores. “A exportação líquida é o que parece estar puxando a produção industrial para cima no momento”, diz Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central e professor do Insper.
Assim, a aparente recuperação da indústria pode ser passageira, efeito do dólar valorizado – ainda que em trajetória de queda – dos primeiros meses do ano, que deixou as importações mais caras e fez com que empresas procurassem os produtos que precisavam no mercado local. Para o diretor de competitividade da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Mario Bernardini, o setor de máquinas, em vez de já estar se recuperando, apenas começa a se estabilizar após uma trajetória de queda iniciada em 2013.
Ainda o desemprego
Se a retomada tivesse começado de fato, o desemprego já estaria em queda, o que não é o caso. No segundo trimestre, a taxa de desocupação no país ficou em 11,30%, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE. Esse é o maior patamar de desemprego já registrado pela Pnad Contínua desde o início da série, em 2012.Na lógica da recuperação, antes de o desemprego começar a cair, a evidência aparece no número de pedidos de seguro-desemprego. E de uma maneira que traz um aparente contrassenso. No primeiro semestre deste ano, o número de pedidos de seguro-desemprego caiu em relação ao mesmo período de 2015. Ocorre, que, ao contrário do que se pode supor, o ritmo de pedidos de seguro-desemprego tende a diminuir no meio de um período recessivo. Por dois motivos: as empresas adiam as demissões ao máximo (já que demitir exige despesas altas, e repor vagas é um processo trabalhoso) e os trabalhadores evitam pedir demissão por medo de não achar mais emprego. Isso reduz a rotatividade nas vagas.
Com mais gente contratada, o poder de compra aumenta e, como resultado, as vendas no varejo tendem a se recuperar. Esse indicador fechou o primeiro semestre do ano com uma queda de 7%, seu pior resultado desde 2001. “Mesmo quem tem emprego no momento não está disposto a assumir compromissos”, afirma Flavio Castelo Branco, gerente-executivo da unidade de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
A cereja do bolo para esse hipotético processo de recuperação seria o aumento dos investimentos em infraestrutura. Isso porque eles são uma prova concreta de retomada da confiança na economia brasileira – afinal, investidor algum aporta bilhões de dólares em um país, e em projetos que demoram anos para ser rentáveis, sem estar certo de que o movimento vale a pena. Não significa que outros recursos não virão nesse período, como os que já têm vindo pela Bolsa. Mas o investimento em algo que precisa ser construído demora mais para chegar – e depende de um quadro mais firme na economia. “Para comprar 100 milhões de dólares na Bolsa, bastam cinco minutos”, compara João Luiz Mascolo, professor do MBA Executivo do Insper.
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