Foto: Divulgação
Os refletores se apagam em toda parte. As cortinas se fecham. As salas de cinema mergulham no escuro. Por tempo indeterminado, os palcos já não verão cenas de comédia nem de tragédia.
A crise sanitária trazida pelo novo coronavírus acerta em cheio o cerne da cultura - essa prática que, em partes, não se cultiva sem estar junto aos outros e para a qual reunir gente é uma das principais fontes de renda.
Mas agora não dá para ficar junto, sob o risco de promover o crescimento da contaminação. Diante disso, nos últimos dias diversos eventos culturais foram cancelados ou adiados --o Lollapalooza, que foi para dezembro, shows como os do grupo de hip-hop Wu Tang Clan, todas as estreias de cinema desta semana. Sem contar algumas das principais exposições de artes visuais, peças de teatro e lançamentos de livros que estavam previstos para os próximos meses.
O tamanho total do prejuízo ainda vai levar um tempo para ser calculado, mas há números que dão uma ideia da penúria que se anuncia --isso num setor que já vinha tendo o acesso a fontes de financiamento restrito.
O segmento é responsável por 4% do PIB nacional e, segundo o IBGE, emprega cerca de 5 milhões de pessoas, além de ser formado por 300 mil empresas de pequeno e médio porte. O governo de São Paulo estima que, no estado, o impacto possa chegar a R$ 34,5 bilhões.
No Rio de Janeiro, produtores culturais já têm se reunido --mantendo distância uns dos outros nos encontros-- para pedir uma intervenção do poder público.
"Já vínhamos combalidos em termos de captação de recursos desde 2018. A maioria das produções teatrais em cartaz no Rio não tinha patrocínio", diz Eduardo Barata, produtor teatral. "Nos reinventamos quando a Lei Rouanet começou a ser demonizada. Hoje há uma dependência quase total da bilheteria."
A maioria das pessoas no mercado cultural não é empregada em regime de CLT, mas como pessoa jurídica --ou seja, é um setor de freelancers, que só recebem quando prestam os serviços. Quem não tem economias vai se ver numa situação periclitante.
Em conversas privadas, já começam a surgir relatos de quem não terá como pagar contas, precisou vender equipamentos ou está deixando o apartamento, por não ter como pagar o aluguel. O cenário, é claro, é mais grave entre os artistas independentes.
O Sesc-SP, espaço importante para esse grupo, fechou as suas unidades pelo menos até 31 de março, e cerca de R$ 3 milhões deixarão de ser pagos a artistas e outros profissionais da cultura. Se a suspensão for até abril, o número deve mais do que dobrar. Só na programação musical, são 400 eventos que deixam de ocorrer.
Em São Paulo, a agenda de shows está praticamente toda suspensa até o fim de março. Segundo Marco Antônio Tobal Junior, sócio do grupo que comanda casas como o Espaço das Américas e o Villa Country, o que mais pesa para a administração são as despesas fixas de manutenção. Só no primeiro espaço, mais de 20 shows foram suspensos.
Na Casa Natura Musical, cerca de 60% do faturamento de março está comprometido, por causa dos dez adiamentos de shows --sete deles tinham ingressos esgotados-- já anunciados. Suyanne Keidel, diretora-executiva da casa, diz que vai deixar de gerar trabalho para 250 pessoas por show não realizado.
"Se contabilizarmos os eventos corporativos, só em março são mais de 320 postos de trabalho que estamos deixando de gerar", diz. "Fora o time que chega com os artistas e agências de eventos."
Os governos do Rio de Janeiro e do Distrito Federal já proibiram o funcionamento de salas de cinema --e a tendência é que o mesmo ocorra, gradualmente, no resto do país. Até agora são quase 600 salas fechadas, mas o número pode chegar a 3.500, que é o total do parque exibidor nacional.
Algumas redes já tentam amenizar as suas perdas. A Cinemark tem um plano de demissão voluntária, mas, de todo modo, poucos funcionários aderiram a ele. A maioria optou por ficar em casa em treinamento online, sem receber vale transporte e alimentação. Ambos os acordos, contudo, ainda precisam ser negociados com sindicatos locais e homologados pela Justiça do Trabalho.
A quinta da semana passada teve a pior bilheteria para um dia de estreias desde 2017, com 86 mil espectadores. "O primeiro semestre está perdido", diz o produtor Rodrigo Teixeira.
Com o cancelamento de gravações - como já ocorre em São Paulo -, profissionais como costureiras e quem organiza as refeições das equipes deixam de ter trabalho.
O Itaú Cultural pretende pagar todos os contratos ou negociações já avançadas, nos quais tenha feito artistas e outros profissionais bloquearem suas agendas. Depois que a crise passar, cada contratado terá 12 meses para prestar o serviço. Mas o setor ainda espera intervenção de municípios, estados e governo federal.
O Fórum Brasileiro pelos Direitos Culturais listou uma série de medidas concretas que poderiam ser tomadas. Já que os projetos aprovados em leis de incentivo não poderão cumprir o aprovado - por exemplo, caso resolvam fazer apresentações onlin-, seria preciso uma nova instrução normativa que permita lidar com interrupções, prorrogações e adiamentos. E também que se leve em que conta que, em qualquer um desses casos, haverá custos adicionais, por exemplo.
A instituição também pede a liberação de verbas retidas ou a antecipação de valores já comprometidos do Fundo Nacional de Cultura e do Fundo Setorial do Audiovisual. Segundo levantamento do fórum, isso injetaria R$ 1,5 bilhão no mercado cultural. O fórum também sugere a isenção temporária de taxas, impostos e aluguel de espaços públicos, além da abertura de linhas de crédito.
Nesse quesito, o governo de São Paulo acaba de anunciar a criação de uma linha de crédito para empresas de cultura e economia criativa, turismo e comércio. A gestão Doria, do PSDB, estuda um pacote de medidas a ser anunciado em breve, o que pode incluir a ampliação dos valores do ProAC Editais e do ProAC ICMS.
Ainda há a expectativa sobre o que a atriz Regina Duarte, secretária especial da Cultura, deve fazer. Ela pediu levantamentos sobre o impacto da crise no setor, o tamanho dos recursos contingenciados e sugestões sobre o que pode ser feito. Ela aguarda essas informações para pedir uma audiência com integrantes do Ministério da Economia.
A crise sanitária trazida pelo novo coronavírus acerta em cheio o cerne da cultura - essa prática que, em partes, não se cultiva sem estar junto aos outros e para a qual reunir gente é uma das principais fontes de renda.
Mas agora não dá para ficar junto, sob o risco de promover o crescimento da contaminação. Diante disso, nos últimos dias diversos eventos culturais foram cancelados ou adiados --o Lollapalooza, que foi para dezembro, shows como os do grupo de hip-hop Wu Tang Clan, todas as estreias de cinema desta semana. Sem contar algumas das principais exposições de artes visuais, peças de teatro e lançamentos de livros que estavam previstos para os próximos meses.
O tamanho total do prejuízo ainda vai levar um tempo para ser calculado, mas há números que dão uma ideia da penúria que se anuncia --isso num setor que já vinha tendo o acesso a fontes de financiamento restrito.
O segmento é responsável por 4% do PIB nacional e, segundo o IBGE, emprega cerca de 5 milhões de pessoas, além de ser formado por 300 mil empresas de pequeno e médio porte. O governo de São Paulo estima que, no estado, o impacto possa chegar a R$ 34,5 bilhões.
No Rio de Janeiro, produtores culturais já têm se reunido --mantendo distância uns dos outros nos encontros-- para pedir uma intervenção do poder público.
"Já vínhamos combalidos em termos de captação de recursos desde 2018. A maioria das produções teatrais em cartaz no Rio não tinha patrocínio", diz Eduardo Barata, produtor teatral. "Nos reinventamos quando a Lei Rouanet começou a ser demonizada. Hoje há uma dependência quase total da bilheteria."
A maioria das pessoas no mercado cultural não é empregada em regime de CLT, mas como pessoa jurídica --ou seja, é um setor de freelancers, que só recebem quando prestam os serviços. Quem não tem economias vai se ver numa situação periclitante.
Em conversas privadas, já começam a surgir relatos de quem não terá como pagar contas, precisou vender equipamentos ou está deixando o apartamento, por não ter como pagar o aluguel. O cenário, é claro, é mais grave entre os artistas independentes.
O Sesc-SP, espaço importante para esse grupo, fechou as suas unidades pelo menos até 31 de março, e cerca de R$ 3 milhões deixarão de ser pagos a artistas e outros profissionais da cultura. Se a suspensão for até abril, o número deve mais do que dobrar. Só na programação musical, são 400 eventos que deixam de ocorrer.
Em São Paulo, a agenda de shows está praticamente toda suspensa até o fim de março. Segundo Marco Antônio Tobal Junior, sócio do grupo que comanda casas como o Espaço das Américas e o Villa Country, o que mais pesa para a administração são as despesas fixas de manutenção. Só no primeiro espaço, mais de 20 shows foram suspensos.
Na Casa Natura Musical, cerca de 60% do faturamento de março está comprometido, por causa dos dez adiamentos de shows --sete deles tinham ingressos esgotados-- já anunciados. Suyanne Keidel, diretora-executiva da casa, diz que vai deixar de gerar trabalho para 250 pessoas por show não realizado.
"Se contabilizarmos os eventos corporativos, só em março são mais de 320 postos de trabalho que estamos deixando de gerar", diz. "Fora o time que chega com os artistas e agências de eventos."
Os governos do Rio de Janeiro e do Distrito Federal já proibiram o funcionamento de salas de cinema --e a tendência é que o mesmo ocorra, gradualmente, no resto do país. Até agora são quase 600 salas fechadas, mas o número pode chegar a 3.500, que é o total do parque exibidor nacional.
Algumas redes já tentam amenizar as suas perdas. A Cinemark tem um plano de demissão voluntária, mas, de todo modo, poucos funcionários aderiram a ele. A maioria optou por ficar em casa em treinamento online, sem receber vale transporte e alimentação. Ambos os acordos, contudo, ainda precisam ser negociados com sindicatos locais e homologados pela Justiça do Trabalho.
A quinta da semana passada teve a pior bilheteria para um dia de estreias desde 2017, com 86 mil espectadores. "O primeiro semestre está perdido", diz o produtor Rodrigo Teixeira.
Com o cancelamento de gravações - como já ocorre em São Paulo -, profissionais como costureiras e quem organiza as refeições das equipes deixam de ter trabalho.
O Itaú Cultural pretende pagar todos os contratos ou negociações já avançadas, nos quais tenha feito artistas e outros profissionais bloquearem suas agendas. Depois que a crise passar, cada contratado terá 12 meses para prestar o serviço. Mas o setor ainda espera intervenção de municípios, estados e governo federal.
O Fórum Brasileiro pelos Direitos Culturais listou uma série de medidas concretas que poderiam ser tomadas. Já que os projetos aprovados em leis de incentivo não poderão cumprir o aprovado - por exemplo, caso resolvam fazer apresentações onlin-, seria preciso uma nova instrução normativa que permita lidar com interrupções, prorrogações e adiamentos. E também que se leve em que conta que, em qualquer um desses casos, haverá custos adicionais, por exemplo.
A instituição também pede a liberação de verbas retidas ou a antecipação de valores já comprometidos do Fundo Nacional de Cultura e do Fundo Setorial do Audiovisual. Segundo levantamento do fórum, isso injetaria R$ 1,5 bilhão no mercado cultural. O fórum também sugere a isenção temporária de taxas, impostos e aluguel de espaços públicos, além da abertura de linhas de crédito.
Nesse quesito, o governo de São Paulo acaba de anunciar a criação de uma linha de crédito para empresas de cultura e economia criativa, turismo e comércio. A gestão Doria, do PSDB, estuda um pacote de medidas a ser anunciado em breve, o que pode incluir a ampliação dos valores do ProAC Editais e do ProAC ICMS.
Ainda há a expectativa sobre o que a atriz Regina Duarte, secretária especial da Cultura, deve fazer. Ela pediu levantamentos sobre o impacto da crise no setor, o tamanho dos recursos contingenciados e sugestões sobre o que pode ser feito. Ela aguarda essas informações para pedir uma audiência com integrantes do Ministério da Economia.
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