Foto: Reprodução / Flickr Palácio do Planalto
Após seu governo perder o apoio de grupos liberais, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem visto defecções frequentes na outra grande perna da coalizão que o elegeu em outubro de 2018, a dos conservadores.
O movimento ainda é relativamente restrito, especialmente na comparação com o ocorrido com os grupos defensores do livre mercado, que hoje restringem seu apoio a partes da agenda econômica defendida pelo ministro Paulo Guedes, e ainda assim de forma cada vez mais discreta.
Mas alguns movimentos simbólicos recentes mostram que Bolsonaro parece caminhar para manter apenas o apoio do núcleo que comunga da sua própria vertente de conservadorismo, inspirada nas diretrizes do escritor Olavo de Carvalho.
O ato mais importante desse processo até agora veio da deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP), que teve mais de 2 milhões de votos na eleição de 2018, em discurso na Assembleia Legislativa paulista na segunda-feira (16).
Dona de impecáveis credenciais conservadoras e católica fervorosa, Paschoal pediu o afastamento do presidente, de quem chegou a ser cotada para vice, em razão da participação dele em uma manifestação em frente ao Palácio do Planalto no domingo (15), em plena crise do coronavírus.
"Como um homem que está possivelmente infectado vai para o meio da multidão? [...] Ele está brincando? Ele acha que pode tudo? As autoridades têm que se unir e pedir para ele se afastar. Não temos tempo para um processo de impeachment", discursou ela.
Bolsonaro minimizou nos últimos dias a pandemia de coronavírus e repetiu nesta terça-feira (17) haver uma "histeria" contra a doença.
"Se eu me contaminei, isso é responsabilidade minha, ninguém tem nada a ver com isso", afirmou, em relação à sua conduta nas manifestações anti-Congresso e anti-STF no domingo, quando manteve contato com apoiadores.
Na segunda-feira, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), disse em entrevista à CNN Brasil que se arrependia de ter votado em Bolsonaro no segundo turno.
Professor de filosofia e autor de livros conservadores, Francisco Razzo foi outro a anunciar arrependimento por sua opção pró-Bolsonaro em artigo ao jornal paranaense Gazeta do Povo, no último dia 11.
"Eu sou parte da sociedade civil que estava incomodada com a hegemonia do PT. Meu voto foi útil e pragmático. Tive um sentimento inconsequente", afirmou à reportagem Razzo, influente em círculos conservadores. Hoje ele afirma que deveria ter votado nulo.
Autor dos livros "Contra o Aborto" e "A Imaginação Totalitária" (ambos da ed. Record), Razzo diz que há várias vertentes no conservadorismo, e por isso é errado achar que apenas a esposada por Bolsonaro e Olavo é verdadeira.
"O conservadorismo não é uma formação monolítica", afirma Razzo. "Esse conservadorismo do Bolsonaro escolhe a figura de um líder como condutor da nação. Acho errado chamá-lo de fascista, mas é um conservadorismo que usa o poder do Estado para triunfar", afirma.
Isso se traduz, de acordo com Razzo, em atitudes como os ataques públicos aos demais Poderes e à imprensa.
"Muitas gente no conservadorismo ainda não entendeu o perigo que o Bolsonaro representa para as instituições", diz o professor de filosofia.
O fato de ter se unido às manifestações em meio à pandemia, segundo Razzo, é apenas um elemento a mais num processo de distanciamento de uma parte dos grupos conservadores do presidente.
Igualmente grave, para ele, é o risco de que isso desacredite todo o movimento.
"Ele vai produzir a imagem de que a esquerda tinha razão, de que conservador é tudo fascista", afirmou.
Outro expoente conservador crítico ao presidente é o escritor e filósofo Martim Vasques da Cunha, autor de "A Tirania dos Especialistas" (editora Civilização Brasileira).
"Bolsonaro é um sujeito preocupado somente com sua sobrevivência política, não com um projeto de país. Usa agitação para criar uma cortina de fumaça, com o intento de distrair a população da sua incompetência como presidente", disse ele ao site da Unisinos em março do ano passado.
O presidente vem perdendo apoio gradualmente entre partes da direita incomodadas com seu estilo de governo e frustradas com a falta de resultados concretos de sua gestão à frente do país.
Ainda no início de seu governo saíram do barco bolsonarista grupos como o MBL (Movimento Brasil Livre) e liberais do grupo Livres. Depois foi a vez de políticos como os ex-ministros Gustavo Bebianno (morto no último dia 15) e Carlos Alberto dos Santos Cruz e deputados como Joice Hasselmann (PSL-SP) e Alexandre Frota (PSDB-SP).
Houve ainda a alienação de diversos governadores que eram próximos ao presidente, casos de João Doria e Wilson Witzel (PSC-RJ).
No fim de semana, um dos governadores mais próximos de Bolsonaro, Ronaldo Caiado (DEM-GO), tomou atitude oposta à do presidente: saiu às ruas para impedir manifestação em razão da pandemia.
O presidente ainda tem amplo apoio entre conservadores, especialmente em segmentos influentes como evangélicos, ruralistas e profissionais da área de segurança.
Diversos movimentos que pipocaram nos estados defendendo bandeiras conservadoras seguem com ele, além de youtubers e tuiteiros influentes nas redes sociais. Mas há fissuras no que sempre pareceu de uma solidez perfeita.
Segundo um acadêmico conservador ouvido pela reportagem, Bolsonaro e Olavo têm incomodado parte da direita pelo personalismo.
Eles não seriam, segundo essa visão, conservadores clássicos, de caráter reformista, que veem as mudanças na sociedade de maneira incremental e cuidadosa. Bolsonaro seria, ao contrário, um reacionário, que usa o poder do Estado para implementar à força sua agenda política.
A aposta do presidente parece clara: radicalizar sua base de fieis apoiadores em tempos de turbulência. A dúvida é o tamanho que ela terá.
O movimento ainda é relativamente restrito, especialmente na comparação com o ocorrido com os grupos defensores do livre mercado, que hoje restringem seu apoio a partes da agenda econômica defendida pelo ministro Paulo Guedes, e ainda assim de forma cada vez mais discreta.
Mas alguns movimentos simbólicos recentes mostram que Bolsonaro parece caminhar para manter apenas o apoio do núcleo que comunga da sua própria vertente de conservadorismo, inspirada nas diretrizes do escritor Olavo de Carvalho.
O ato mais importante desse processo até agora veio da deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP), que teve mais de 2 milhões de votos na eleição de 2018, em discurso na Assembleia Legislativa paulista na segunda-feira (16).
Dona de impecáveis credenciais conservadoras e católica fervorosa, Paschoal pediu o afastamento do presidente, de quem chegou a ser cotada para vice, em razão da participação dele em uma manifestação em frente ao Palácio do Planalto no domingo (15), em plena crise do coronavírus.
"Como um homem que está possivelmente infectado vai para o meio da multidão? [...] Ele está brincando? Ele acha que pode tudo? As autoridades têm que se unir e pedir para ele se afastar. Não temos tempo para um processo de impeachment", discursou ela.
Bolsonaro minimizou nos últimos dias a pandemia de coronavírus e repetiu nesta terça-feira (17) haver uma "histeria" contra a doença.
"Se eu me contaminei, isso é responsabilidade minha, ninguém tem nada a ver com isso", afirmou, em relação à sua conduta nas manifestações anti-Congresso e anti-STF no domingo, quando manteve contato com apoiadores.
Na segunda-feira, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), disse em entrevista à CNN Brasil que se arrependia de ter votado em Bolsonaro no segundo turno.
Professor de filosofia e autor de livros conservadores, Francisco Razzo foi outro a anunciar arrependimento por sua opção pró-Bolsonaro em artigo ao jornal paranaense Gazeta do Povo, no último dia 11.
"Eu sou parte da sociedade civil que estava incomodada com a hegemonia do PT. Meu voto foi útil e pragmático. Tive um sentimento inconsequente", afirmou à reportagem Razzo, influente em círculos conservadores. Hoje ele afirma que deveria ter votado nulo.
Autor dos livros "Contra o Aborto" e "A Imaginação Totalitária" (ambos da ed. Record), Razzo diz que há várias vertentes no conservadorismo, e por isso é errado achar que apenas a esposada por Bolsonaro e Olavo é verdadeira.
"O conservadorismo não é uma formação monolítica", afirma Razzo. "Esse conservadorismo do Bolsonaro escolhe a figura de um líder como condutor da nação. Acho errado chamá-lo de fascista, mas é um conservadorismo que usa o poder do Estado para triunfar", afirma.
Isso se traduz, de acordo com Razzo, em atitudes como os ataques públicos aos demais Poderes e à imprensa.
"Muitas gente no conservadorismo ainda não entendeu o perigo que o Bolsonaro representa para as instituições", diz o professor de filosofia.
O fato de ter se unido às manifestações em meio à pandemia, segundo Razzo, é apenas um elemento a mais num processo de distanciamento de uma parte dos grupos conservadores do presidente.
Igualmente grave, para ele, é o risco de que isso desacredite todo o movimento.
"Ele vai produzir a imagem de que a esquerda tinha razão, de que conservador é tudo fascista", afirmou.
Outro expoente conservador crítico ao presidente é o escritor e filósofo Martim Vasques da Cunha, autor de "A Tirania dos Especialistas" (editora Civilização Brasileira).
"Bolsonaro é um sujeito preocupado somente com sua sobrevivência política, não com um projeto de país. Usa agitação para criar uma cortina de fumaça, com o intento de distrair a população da sua incompetência como presidente", disse ele ao site da Unisinos em março do ano passado.
O presidente vem perdendo apoio gradualmente entre partes da direita incomodadas com seu estilo de governo e frustradas com a falta de resultados concretos de sua gestão à frente do país.
Ainda no início de seu governo saíram do barco bolsonarista grupos como o MBL (Movimento Brasil Livre) e liberais do grupo Livres. Depois foi a vez de políticos como os ex-ministros Gustavo Bebianno (morto no último dia 15) e Carlos Alberto dos Santos Cruz e deputados como Joice Hasselmann (PSL-SP) e Alexandre Frota (PSDB-SP).
Houve ainda a alienação de diversos governadores que eram próximos ao presidente, casos de João Doria e Wilson Witzel (PSC-RJ).
No fim de semana, um dos governadores mais próximos de Bolsonaro, Ronaldo Caiado (DEM-GO), tomou atitude oposta à do presidente: saiu às ruas para impedir manifestação em razão da pandemia.
O presidente ainda tem amplo apoio entre conservadores, especialmente em segmentos influentes como evangélicos, ruralistas e profissionais da área de segurança.
Diversos movimentos que pipocaram nos estados defendendo bandeiras conservadoras seguem com ele, além de youtubers e tuiteiros influentes nas redes sociais. Mas há fissuras no que sempre pareceu de uma solidez perfeita.
Segundo um acadêmico conservador ouvido pela reportagem, Bolsonaro e Olavo têm incomodado parte da direita pelo personalismo.
Eles não seriam, segundo essa visão, conservadores clássicos, de caráter reformista, que veem as mudanças na sociedade de maneira incremental e cuidadosa. Bolsonaro seria, ao contrário, um reacionário, que usa o poder do Estado para implementar à força sua agenda política.
A aposta do presidente parece clara: radicalizar sua base de fieis apoiadores em tempos de turbulência. A dúvida é o tamanho que ela terá.
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