Excludente de ilicitude de Bolsonaro instituirá regime de impunidade, diz MPF
BRASIL
Dois órgãos do Ministério Público Federal (MPF) se manifestaram de forma crítica ao conteúdo do projeto de lei enviado pelo governo Jair Bolsonaro para apreciação do Congresso Nacional sobre a excludente de ilicitude em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Para os procuradores, a análise do texto mostra que ele pretende instituir um “regime de impunidade para crimes praticados por militares ou policiais em atividades de GLO flagrantemente inconstitucional e sem paralelo até mesmo se comparado aos atos institucionais da ditadura militar”.
A nota técnica, assinada por procuradores da Procuradoria Federal de Direitos do Cidadão e da Câmara de Controle Externo da Atividade Policial e de Sistema Prisional, foi enviada aos parlamentares que irão analisar a matéria no Congresso. O governo federal encaminhou na semana passada o Projeto de Lei 6.125, que estabelece normas aplicáveis aos militares em operações GLO e aos policiais militares ou civis que a elas eventualmente prestem apoio. Leia aqui a nota na íntegra.
“Não é justo, por exemplo – vou citar o caso das Forças Armadas -, um garoto de 20 anos de idade, torce pro Flamengo, tem sua namorada, vai pra praia no fim de semana, e numa operação GLO acontece um imprevisto numa área urbana, você é submetido a uma auditoria militar e pega de 12 a 30 anos de cadeia. Isso não é justo”, disse Bolsonaro na semana passada.
O projeto de lei diz que o agente de segurança será isento de punição ou terá sua pena abrandada em casos de legítima defesa ou para “repelir injusta agressão” mesmo que façam o uso da força preventivamente. O governo classifica, no texto, como “injusta agressão” atos de terrorismo; qualquer tipo de conduta capaz de gerar morte ou lesão corporal; a restrição de liberdade da vítima, mediante violência ou grave ameaça; ou até portar ou utilizar ostensivamente arma de fogo.
Os órgãos do MPF sustentam que, no texto do projeto, “há uma autorização implícita, mas efetiva, para que as forças de repressão possam fazer uso abusivo e arbitrário da violência, com grave risco de adoção de medidas típicas de um regime de exceção, incompatíveis com os padrões democráticos brasileiros e do direito internacional”.
Os procuradores lembram que o País passa por um momento em que as taxas de letalidade policial estão em alta e citam o caso do Rio. Dados divulgados nesta segunda-feira, 25, mostram que o número de mortes produzidas por policiais fluminenses, de janeiro a outubro de 2019, já representa a maior quantidade anual desde 1998. A nota classifica o projeto como uma tentativa de “garantir aos agentes estatais um regime jurídico privilegiado em relação ao dos cidadãos em geral”.
O dever estatal, ressalta o documento, é de respeitar e garantir o direito à vida. O uso da força letal, complementa, é legal quando estrita e diretamente necessária para salvar vidas. “O direito internacional tampouco admite a morte intencional de um suspeito: o assassinato deliberado, intencional e premeditado por agentes estatais é ilegal e jamais poderá ser o objetivo de uma operação policial, como apontou o Relator Especial das Nações Unidas sobre execuções extrajudiciais, sumárias e arbitrárias, Philip Alston”, escreveram os procuradores.
Para os órgãos do MPF, o projeto afronta um dos princípios centrais da Constituição, o princípio republicano. “O regime republicano é absolutamente refratário à instituição de privilégios, na medida em que se baseia no reconhecimento da igual dignidade de todos os cidadãos. Por isso, é da sua essência a possibilidade de responsabilização civil, administrativa e criminal dos agentes públicos, inclusive perante o Poder Judiciário”, apontam. “É absolutamente incompatível com o regime republicano que a norma geral de excludente de ilicitude do Código Penal seja superada por outra que institui privilégios para agentes, civis ou militares, que atuam em determinados contextos de segurança pública”.
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