Os hackers de Araraquara até poderão ser punidos por terem invadido a privacidade de mais de mil pessoas, segundo as contas da triste figura de Sérgio Moro – do presidente da República ao boy que emprestava seu celular para que um procurador da Lava Jato de Curitiba pudesse conversar em paz com a namoradinha, e a salvo da sua mulher desconfiada e perigosamente bisbilhoteira.
Mas, além disso, o caso não deverá ir. Tem toda pinta de um crime perfeito. Os autores foram descobertos e estão presos. Um confessou mediante a promessa de que a barra pesará menos para seu lado. Outro se defendeu alegando que era apenas laranja. Do terceiro, nada vazou, mas é só uma questão de tempo para que vaze. A mulher foi dispensada por motivo ainda desconhecido.
Provas do crime existem – documentos, dinheiro apreendido, computadores. Mas o conteúdo das conversas encontrado na memória dos computadores… Como saber se as conversas foram travadas naqueles termos? Seus personagens serão chamados para confirmar ou negar? Como usar o material em um processo que seria necessariamente público?
O presidente da República passava regulamente mensagens por celular com memes e até nudes acompanhados de kkkkkkkk ou de comentários nada pudicos. Ele é assim, e se sabe. E combinava com seus garotos ataques a A, B, C ou ao alfabeto inteiro. Quando não fazia coisas piores, preocupado que estava até outro dia com os rolos do filho Flávio e do motorista Queiroz. E aí?
Rodrigo Maia, presidente da Câmara, seria chamado a validar ou não o que teria dito a líderes de partidos ao longo das negociações para aprovação da reforma da Previdência? E David Alcolumbre para dizer se de fato ouviu o que lhe teria dito o ministro Onyx Lorenzoni, chefe da Casa Civil da presidência da República, quando o ajudou a se eleger presidente do Senado?
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, já foi grampeado mais de uma vez nos últimos anos – uma delas em conversa com o ex-senador Demóstenes Torres, outra com o então senador Aécio Neves que lhe pediu ajuda para ganhar uma votação. Sabe-se que até ministros do Supremo foram hackeados, mas dos seus nomes jamais se ouvirá falar. E aí?
Sem que sejam revelados todos os nomes das vítimas dos hackers, e todo o conteúdo das conversas, como saber se eles foram as fontes do que o site The Intercept publicou até aqui? A confissão de um dos hackers não basta. De mais a mais, se ficar provado que foram as fontes do site, prova-se em definitivo que as mensagens trocadas por Moro com os procuradores não foram adulteradas.
E a teoria conspiratória da intervenção russa no episódio? Recentemente, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, ex-coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, disse de forma peremptória:
“O ataque foi centralizado, altamente sofisticado, com um custo que ultrapassa a capacidade financeira e tecnológica de hackers amadores em porões na casa da mamãe. [A captação e divulgação do material] obedeceram a um comando único, dotado de orçamento milionário e com recursos tecnológicos de fora do país. [O objetivo era] libertar Lula e destruir Moro”.
Não, não se subestime a capacidade do procurador de enxergar adiante. Ele poderia não estar se referindo a uma inciativa de pés de chinelo como esses, afinal descobertos pela Polícia Federal. Quem garante que os russos também não espionaram a tão vulnerável elite republicana deste país para libertar um precioso aliado (Lula) e enfraquecer um poderoso adversário (Bolsonaro)?
O ouro de Moscou anda escasso, mas ainda dá para gastos. A ajuda russa para eleger Donald Trump foi investigada à exaustão. Ao final do seu mandato, ele poderá ser processado por obstrução de justiça. Aqui, é preciso que se investigue a turma de Araraquara e também as investigações sobre a turma de Araraquara. Como não? O serviço terá que ser completo dada as circunstâncias.
Por ora, o povo a tudo assiste bestificado. Mas ele tem o direito de saber.
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