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‘Chefe de Estado não pode manter sob sigilo informações sobre paradeiro de desaparecido político’, aponta Procuradoria

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal, avalia que a declaração do presidente Jair Bolsonaro sobre o desaparecimento de Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira – pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz – ‘reveste-se de enorme gravidade, não só pelo atrito com o decoro ético e moral esperado de todos os cidadãos e das autoridades públicas, mas também por suas implicações jurídicas’. Na segunda, 29, Bolsonaro fez comentário sobre a atuação do Conselho Federal da OAB, no episódio da tentativa de quebra do sigilo do advogado de Adélio Bispo, que o esfaqueou no dia 6 de setembro de 2018, em Juiz de Fora (MG). O presidente queixou-se da Ordem e apontou para o pai de Felipe. “Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto para ele. Ele não vai querer ouvir a verdade. Conto pra ele. Não é minha versão. É que a minha vivência me fez chegar a essas conclusões naquele momento. O pai dele integrou a Ação Popular, o grupo mais sanguinário e violento da guerrilha lá de Pernambuco e veio desaparecer no Rio de Janeiro.” Em nota pública, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão ressalta que ‘raras situações provocam tanto sofrimento quanto o desaparecimento de um ente querido’. “No Brasil, mais de 80 mil famílias se deparam, a cada ano, com a situação de desaparecimento, de distintas origens: problemas sociais, de saúde e desaparecimentos violentos”, assinala a Procuradoria. Segundo a Procuradoria, ‘todas sofrem, quase sempre silenciosamente, essa dor perene, que não cessa enquanto não se descobre o paradeiro da pessoa querida’. “O respeito a esse penar é um sinal de humanidade e dignidade, praticado por distintas civilizações e todas as religiões. O direito a um funeral é, aliás, parte essencial de qualquer cultura humana e sua supressão, um dos mais graves atos de crueldade que se pode impor a uma família”, afirmam a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, e o procurador-adjunto Marlon Weichert. A Procuradoria dos Direitos do Cidadão enfatiza que ‘o crime de desaparecimento forçado é permanente, ou seja, sua consumação persiste enquanto não se estabelece o paradeiro da vítima’. “Qualquer pessoa que tenha conhecimento de seu destino e intencionalmente não o revela à Justiça pode ser considerada partícipe do delito.” Ainda de acordo com a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, ‘o desaparecimento forçado por agentes do Estado ou por pessoas ou grupos de pessoas agindo com a autorização, apoio ou aquiescência do Estado, é uma grave violação aos direitos humanos, conforme estabelecem duas convenções internacionais promulgadas e ratificadas pelo Brasil’. “É um crime internacional quando praticado no contexto de uma perseguição generalizada e sistemática a uma população civil, nos termos do Estatuto de Roma.” A Procuradoria observa que ‘o desaparecimento forçado é um dos crimes internacionais que merece a mais severa sanção, posto que reúne diversas ações ilícitas que se originam com a prisão ou detenção ilegal, perpassam a prática de tortura, falsidade sobre o paradeiro, subtração de provas, obstrução da Justiça e, quase sempre, culmina no homicídio e na ocultação de cadáver’. “Qualquer autoridade pública, civil ou militar, e especialmente o Presidente da República, é obrigada a revelar quaisquer informações que possua sobre as circunstâncias de um desaparecimento forçado ou o paradeiro da vítima”, diz a nota pública. O órgão do Ministério Público Federal ressalta que ‘embora seja grave o desaparecimento de pessoas por parte de organizações criminosas, é incomparavelmente mais sério quando perpetrado pelo Estado, responsável por cumprir a lei e garantir aos acusados proteção à vida e à integridade física, além da sua responsabilidade pela garantia dos direitos fundamentais do cidadão, tais como devido processo legal, presunção de inocência, inafastabilidade da jurisdição, proibição da pena de morte e proibição da tortura’. No documento, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão relembra que o Brasil foi condenado, em duas oportunidades – nos casos Vladimir Herzog e Gomes Lund – pela Corte Interamericana de Direitos Humanos pela prática de crimes contra a humanidade e de graves violações aos direitos humanos durante a ditadura militar, sentenças nas quais foi determinado que o Estado promovesse a investigação, o julgamento e a punição pelos crimes de desaparecimento forçado de pessoas, execuções sumárias e tortura. A Corte decidiu, inclusive, que a privação do acesso à verdade dos fatos sobre o destino de um desaparecido constitui uma forma de tratamento cruel e desumano para os familiares e, por si só, é uma grave violação aos direitos humanos. “A ditadura militar e sua decorrente violação de direitos humanos foram objeto da Comissão Nacional da Verdade (CNV), criada pela Lei nº 12.528/2011”, acentua a Procuradoria. “Seu relatório é um documento legal produzido para elucidar fatos que possuíam versões conflitantes, conferindo a expressão da ‘verdade estatal’, a qual deve ser observada pelos órgãos da administração pública.” No documento, pontua a Procuradoria, consta que o desaparecimento forçado de Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira foi investigado pela Comissão Nacional da Verdade, e, anteriormente, pela Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos e pela Comissão de Anistia.
Estadão

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