Pular para o conteúdo principal

Os 5 milhões do bispo

Em proposta de delação, empresário do setor de ônibus revela que repassa dinheiro para campanhas do prefeito do Rio de Janeiro desde 2008 

Na última edição, VEJA revelou que Jacob Barata Filho, conhecido como “o rei do ônibus” no Rio de Janeiro, apresentou aos procuradores da Lava-Jato uma proposta de delação na qual diz que um ex-assessor do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, teria sido destinatário de alguns milhões de reais para influenciar uma decisão judicial. Agora, descobriu-se que não foi a única acusação feita pelo empresário. VEJA teve acesso a outros trinta anexos da proposta de delação, como são chamados os capítulos em que o candidato a colaborador enumera os segredos que pretende revelar. Os anexos trazem uma vasta lista de personagens que receberam propinas — do agora notório ex-governador Sérgio Cabral ao prefeito do Rio, o bispo Marcelo Crivella, do PRB.
O capítulo sobre o prefeito informa que, de 2008, quando se candidatou ao cargo pela segunda vez, a 2016, ano em que foi eleito, Crivella recebeu, sempre ilegalmente, mais de 5 milhões de reais de empresários de ônibus. Barata Filho detalha cada um desses repasses clandestinos e compromete-se a apresentar provas das entregas de dinheiro, caso a Justiça aceite o acordo. Na eleição de 2016, por exemplo, Crivella informou ter gasto 9,6 milhões de reais em sua campanha. Esse valor, segundo o candidato a delator, é falso. Só dos empresários de ônibus, o bispo recebeu 2 milhões de reais em caixa dois. O acerto ocorreu durante o primeiro turno. Barata Filho conta que a negociação foi feita em um café da manhã com Crivella num condomínio da Barra da Tijuca. Na época, as doações eleitorais de empresas privadas já estavam proibidas. O bispo, porém, disse que precisava de “apoio financeiro”. Dias depois, o conselho do sindicato Rio Ônibus, entidade que reúne 36 operadoras de transporte rodoviário do município, decidiu atender ao pedido. O candidato já despontava como favorito. O “apoio financeiro”, diz Barata Filho, foi dividido em duas parcelas de 1 milhão de reais — a primeira repassada no início do primeiro turno, a outra no final. O dinheiro vivo foi entregue nas mãos de Mauro Macedo, tesoureiro da campanha de Crivella e primo de Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, da qual Crivella é bispo.
 TESOUREIRO – Mauro Macedo: o empresário o acusa de ser o homem da mala
TESOUREIRO – Mauro Macedo: o empresário o acusa de ser o homem da mala (Cléber Júnior/ Extra/.)
Em sua proposta de delação, Barata Filho informa que, em 2008, a exemplo do que ocorreu em 2016, houve uma reunião para acertar o “apoio financeiro”. O bispo, na época, indicou o mesmo Mauro Macedo para atuar como homem da mala: recebeu, dessa vez, 1 milhão de reais, em espécie. Crivella, porém, não se elegeu. Não há em sua prestação de contas registro de doação alguma dos empresários de ônibus.
Dois anos depois, em 2010, o bispo esteve novamente à caça de votos. Disputou a reeleição para o Senado. Os empresários do setor de transporte, sempre atendendo ao pedido de “apoio financeiro”, voltaram a cooperar, de novo com 1 milhão de reais — repassados, mais uma vez, a Mauro Macedo, em dez parcelas de 100 000 reais, em espécie. De acordo com o candidato a delator, nessa ocasião a Fetranspor, entidade que reúne os sindicatos das empresas de ônibus do Rio, ocupou-se de parte dos pagamentos, realizados por intermédio do doleiro Álvaro Novis, preso na Lava-Jato. Os investigadores já encontraram o que entendem ser os registros dessas operações em planilhas apreendidas com o doleiro. Crivella reelegeu-se senador com 3,3 milhões de votos. Não há em sua prestação de contas referência a doações da Fetranspor.
 TRÁFICO – Marcinho VP: aliados recebendo propina
TRÁFICO – Marcinho VP: aliados recebendo propina (//.)
O esquema de financiamento ilegal dos empresários de ônibus funcionou inclusive quando o bispo não disputou eleição. Em 2012, Crivella era ministro da Pesca da então presidente Dilma Rousseff. Ele até ensaiou uma nova candidatura à prefeitura do Rio, mas, diante de desavenças partidárias, desistiu. Barata Filho conta que, mesmo assim, Crivella pediu “apoio financeiro” para bancar campanhas de vereadores aliados. A Fetranspor lhe repassou então 250 000 reais. Outra vez o responsável pela entrega do dinheiro, dividido em duas parcelas de 125 000 reais, foi o doleiro Álvaro Novis. De novo, o recebedor foi Mauro Macedo.
 ASSASSINATO - Marielle: delegado na mira da investigação
ASSASSINATO - Marielle: delegado na mira da investigação (//.)
Em 2014, a Fetranspor voltou a financiar parte da campanha de Crivella ao governo do Rio. Segundo Barata Filho, os repasses somaram 1 milhão de reais — dessa vez feitos por meio de quitação de notas fiscais frias de empresas que simularam prestação de serviços à entidade. O reforço no caixa, no entanto, não foi suficiente para evitar a derrota do bispo para o ex-governador Luiz Fernando Pezão, preso pela Lava-Jato desde o fim do ano passado e também beneficiário do dinheiro clandestino dos empresários de ônibus. Somando-se as cinco doações que constam do anexo de Barata, a caixinha de Crivella recebeu 5,2 milhões de reais entre 2008 e 2016.
Há, inclusive, um detalhe curioso. Em 2016, depois de finalmente ele­ger-se prefeito do Rio, Crivella enviou um recado a Barata Filho por meio de Mauro Macedo: queria devolver os 2 milhões de reais recebidos clandestinamente na campanha. Havia duas razões para isso, segundo o emissário do prefeito eleito. A primeira: Crivella não queria ficar amarrado aos compromissos assumidos com os empresários de ônibus. A segunda: a doação fora considerada muito aquém da necessidade da campanha. No anexo, Barata não informa se o dinheiro foi efetivamente devolvido, mas diz que, a partir de 2017, quando o bispo tomou posse na prefeitura, foram editadas várias normas que resultaram em prejuízos financeiros aos empresários do setor.
 CONCEPÇÕES DE LEIS –  O ex-ministro Pimentel e o ex-senador Jucá: supostos artigos a favor das empresas de ônibus
CONCEPÇÕES DE LEIS –  O ex-ministro Pimentel e o ex-senador Jucá: supostos artigos a favor das empresas de ônibus (João Godinho/O Tempo/Agência O Globo - Cristiano Mariz/VEJA)
Procurado por VEJA, Crivella disse, por meio de sua assessoria, que a sua relação com os empresários de ônibus tem sido de enfrentamento. Quanto às acusações de Barata Filho, afirmou que “não recebeu doações de empresários do setor de ônibus, que não fez uso de caixa dois e que todas as suas contas de campanhas foram aprovadas pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro”. O prefeito também reclama da “onda de denuncismo”, que, segundo ele, “parece uma ação política orquestrada de forma sórdida”. Mauro Macedo não foi localizado.
Em sua proposta de delação, Barata Filho ainda detalha pagamentos de propina ao ex-senador Romero Jucá (MDB) e ao ex-ministro Fernando Pimentel (PT). Os dois políticos, diz ele, confeccionaram leis que beneficiaram o setor de ônibus. Jucá e Pimentel negam as irregularidades. Na extensa lista de autoridades denunciadas, Barata Filho incluiu pessoas ligadas ao traficante Marcinho VP, um promotor que investigou irregularidades nas obras do Estádio do Maracanã e um delegado federal suspeito de tentar obstruir as investigações do assassinato da vereadora Marielle Franco — todos eles receberam propina, de acordo com o candidato a delator. Os pagamentos estão registrados e detalhados em planilhas que o empresário guarda por quase duas décadas.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Procurador do DF envia à PGR suspeitas sobre Jair Bolsonaro por improbidade e peculato Representação se baseia na suspeita de ex-assessora do presidente era 'funcionária fantasma'. Procuradora-geral da República vai analisar se pede abertura de inquérito para apurar. Por Mariana Oliveira, TV Globo  — Brasília O presidente Jair Bolsonaro — Foto: Isac Nóbrega/PR O procurador da República do Distrito Federal Carlos Henrique Martins Lima enviou à Procuradoria Geral da República representações que apontam suspeita do crime de peculato (desvio de dinheiro público) e de improbidade administrativa em relação ao presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL). A representação se baseia na suspeita de que Nathália Queiroz, ex-assessora parlamentar de Bolsonaro entre 2007 e 2016, período em que o presidente era deputado federal, tinha registro de frequência integral no gabinete da Câmara dos Deputados  enquanto trabalhava em horário comerci
Atuação que não deixam dúvidas por que deveremos votar em Felix Mendonça para Deputado Federal. NÚMERO  1234 . Félix Mendonça Júnior Félix Mendonça: Governo Ciro terá como foco o desenvolvimento e combate às desigualdades sociais O deputado Félix Mendonça Júnior (PDT-BA) vê com otimismo a pré-candidatura de Ciro Gomes à Presidência da República. A tendência, segundo ele, é de crescimento do ex-governador do Ceará. “Ciro é o nome mais preparado e, com certeza, a melhor opção entre todos os pré- candidatos. Com a campanha nas Leia mais Movimentos apoiam reivindicação de vaga na chapa de Rui Costa para o PDT na Bahia Neste final de semana, o cenário político baiano ganhou novos contornos após a declaração do presidente estadual do PDT, deputado federal Félix Mendonça Júnior, que reivindicou uma vaga para o partido na chapada majoritária do governador Rui Costa (PT) na eleição de 2018. Apesar de o parlamentar não ter citado Leia mais Câmara aprova, com par
Estudo ‘sem desqualificar religião’ é melhor caminho para combate à intolerância Hédio Silva defende cultura afro no STF / Foto: Jade Coelho / Bahia Notícias Uma atuação preventiva e não repressiva, através da informação e educação, é a chave para o combate ao racismo e intolerância religiosa, que só em 2019 já contabiliza 13 registros na Bahia. Essa é a avaliação do advogado das Culturas Afro-Brasileiras no Supremo Tribunal Federal (STF), Hédio Silva, e da promotora de Justiça e coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Proteção dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação (Gedhdis) do Ministério Público da Bahia (MP-BA), Lívia Vaz. Para Hédio o ódio religioso tem início com a desinformação e passa por um itinerário até chegar a violência, e o poder público tem muitas maneiras de contribuir no combate à intolerância religiosa. "Estímulos [para a violência] são criados socialmente. Da mesma forma que você cria esses estímulos você pode estimular