Diplomacia dos 140 caracteres de Trump assombra política externa
O presidente eleito dos Estados Unidos já atacou a ONU e a China na rede social e defendeu o russo Vladimir Putin
De Cuba até a China, passando por Rússia e Oriente Médio, Trump não teve papas na língua ao se pronunciar sobre a atualidade internacional em sua rede social favorita, para o terror das chancelarias no mundo todo. Com tuítes espontâneos, o magnata imobiliário rasgou manuais da diplomacia tradicional, mais inclinados a dedicar horas e horas de análise no mais alto nível do governo antes de emitir comunicados sobre política externa.
Como candidato presidencial republicano, Trump já havia transformado a campanha eleitoral com o uso do Twitter para atacar sem piedade seus rivais políticos ou jogar mais lenha na fogueira de polêmicas intermináveis. Longe de moderar sua “obsessão tuiteira” após bater a democrata Hillary Clinton nas eleições de 8 de novembro, o multimilionário, já como presidente eleito, usou a rede social para propor medidas que poderiam levar a uma nova ordem mundial.
A primeira vez em que Trump tuitou um comentário relevante sobre política externa desde que venceu as eleições foi no dia 28 de novembro, quando avisou que freará a aproximação a Cuba promovida por Barack Obama se Havana não oferecer a Washington um “melhor acordo”.
A China também esteve na mira do Twitter do presidente eleito, que no início de dezembro criticou o gigante asiático por “desvalorizar” sua moeda e “construir um grande complexo militar” nas disputadas águas do mar do Sul da China. O comentário aconteceu pouco depois das críticas das autoridades de Pequim a Trump por conversar por telefone com Tsai Ing-wen, presidente de Taiwan, que ligou para lhe dar os parabéns pela vitória nas eleições.
O distanciamento da China coincide com uma aparente aproximação à Rússia de Vladimir Putin, que enviou na semana passada uma entusiasmada carta de felicitação natalina com o desejo de “restaurar” as relações bilaterais. Trump, que escreveu mais de 34.000 tuítes desde que abriu sua conta em 2009, publicou a carta na última sexta-feira, dia em que aplaudiu o líder russo por declarar que Clinton e o Partido Democrata perderam as eleições de forma “humilhante”.
“Vladimir Putin disse hoje sobre Hillary e os Democratas: ‘Na minha opinião, isto é humilhante. É preciso ser capaz de perder com dignidade’. Tão verdade!”, escreveu o magnata. Também pelo Twitter, Trump defendeu na semana passada “fortalecer e expandir” a capacidade nuclear dos EUA até que “o mundo tenha consciência” sobre as armas atômicas, ideia que, posta em prática, poderia desencadear uma corrida armamentista mundial.
Nem a ONU se livra de sua compulsão: “As Nações Unidas têm um grande potencial, mas agora são só um clube para as pessoas se reunirem, conversarem e se divertirem. Que triste!”, escreveu na segunda-feira. O comentário veio após a decisão adotada na sexta-feira pelo Conselho de Segurança para exigir de Israel o fim de seus assentamentos nos territórios palestinos, aprovada graças a uma abstenção dos Estados Unidos. “Resista Israel, 20 de janeiro está cada vez mais próximo”, tuitou o magnata, em alusão à data na qual tomará posse como presidente.
A menos que o multimilionário modere seu uso da rede social quando puser os pés na Casa Branca, a “diplomacia dos 140 caracteres” pode se transformar em uma dor de cabeça para o Departamento de Estado, que gerencia a política externa do país. “Este estilo pessoal aparentemente impulsivo torna muito difícil que a burocracia do Departamento de Estado interprete Trump e siga seu exemplo”, advertiu Shamila N. Chaudhary, especialista do centro de estudos New America.
No entanto, não parece que o empresário dos cassinos vá calar sua “voz tuiteira” quando assumir a presidência, segundo seu futuro porta-voz na Casa Branca, Sean Spicer, que adiantou nesta segunda-feira que sua “Twittermania” será uma parte “fascinante” de sua presidência. “Acho que seu uso das redes sociais em particular vai ser algo nunca visto antes. Ele tem esta linha direta com o povo americano”, disse Spicer.
À espera de sua posse, Trump continua debruçado no Twitter enquanto a imprensa o lembra que, 50 dias após ganhar as eleições, segue sem comparecer a entrevistas coletivas, algo inédito em um presidente eleito há décadas.
(Com EFE)
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