Uma vergonha chamada CâmaraTur, por Raul Monteiro*
Foto: Divulgação/Arquivo
Representante baiano no último Câmara Tur, José Nunes disse que pagou as passagens do próprio bolso
Desconhecido do grande público ou pelo menos daquele chamado eleitorado de opinião, o deputado federal baiano José Nunes (PSD) ganhou as manchetes durante o feriadão do São João, junto com outros sete colegas de Parlamento, por ter integrado uma comitiva que passou cinco dias viajando, sob a honrosa justificativa de “missão oficial”, a locais turísticos de Lisboa e Fátima, em Portugal, com praticamente todas as despesas pagas pelo Legislativo, isto é, pelos dóceis contribuintes brasileiros. Algo como passagens aéreas e diárias que podem ter totalizado mais de R$ 10 mil, para cada um.
Permitidas pelas regras da Casa, as viagens internacionais dos deputados têm levado desde outubro do ano passado uma média de 26 parlamentares para fora do país, por mês, para destinos que vão dos Estados Unidos, à Europa e Ásia, alguns deles, por sinal, mais de uma vez. Exatamente o que você, caro leitor e contribuinte, acabou de ler: quase 30 deputados, dos 513 sustentados pelo povo, viajam por mês para fazer turismo, porque outra justificativa melhor não há, a menos que você queira efetivamente se enganar e acreditar no intercâmbio que eles dizem promover.
Os números envolvendo o custo das viagens internacionais dos parlamentares são tão eloquentes quanto estarrecedores. Só de janeiro de 2018 a janeiro de 2019, esses deslocamentos custaram R$ 3,9 milhões, segundo dados obtidos pelo jornal Folha de S. Paulo por meio da Lei de Acesso à Informação. Os deputados justificam as viagens sob, entre outros argumentos estapafúrdios, a necessidade de obter “acesso a novos conceitos, políticas públicas e experiências legislativas úteis ao Brasil”. Para serem realizadas, as viagens precisam ter o aval do presidente da Casa, neste caso o deputado federal Rodrigo Maia (DEM-RJ).
É o caso de se perguntar: tem cabimento, sob uma crise que já arrastou mais de 13 milhões ao desemprego e não dá mostras de arrefecimento, entre outros motivos, por inação do atual governo, com gente morrendo em filas de hospitais por falta de recursos e entrando na criminalidade por ausência de oportunidade melhor, alguns dos mais bem aquinhoados agentes públicos do país, com salários e mordomias compatíveis com a existência de marajás, considerarem razoável viajar às custas desta mesma população sofrida para fazer um relax internacional?
Sem dúvida, trata-se de privilégio, dentre tantos outros a que os parlamentares têm direito, que nunca deveria ter sido criado nem institucionalizado por uma Casa cuja função é representar os interesses da população. Curioso é que não se vê nenhum deputado, mesmo aqueles de partidos radicais de esquerda que professam defender os interesses dos mais pobres a qualquer custo, tomar uma iniciativa sequer no sentido de extinguir a vergonhosa benesse, ainda que se viva num dos momentos mais críticos da economia nacional, numa demonstração de que são todos submetidos à lógica do corporativismo parlamentar. A propósito: À Folha, o deputado baiano disse ter pago as passagens do bolso.
* Artigo do editor Raul Monteiro publicado na edição de hoje da Tribuna.
Raul Monteiro*
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