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Mesmo se aprovar a proposta no Congresso, governo enfrentará novas votações para detalhes entrarem em vigor02 de setembro de 2020 | 17:35
Salários e cargos com estabilidade ficam para segunda fase da reforma administrativa
BRASIL
O governo decidiu fatiar a proposta da reforma administrativa, prevista para ser enviada ao Congresso nesta quinta-feira (3). A primeira etapa não vai detalhar pontos considerados sensíveis: remuneração de entrada dos servidores, faixas salariais para progressão de carreira, lista de funções que serão extintas e definição dos cargos que perderão a estabilidade. Um dos responsáveis pela formulação do texto disse à Folha que, nesta quinta, será enviada ao Legislativo uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que trará os comandos gerais da reforma administrativa.
A maior parte dos projetos para regulamentar pontos específicos será enviada após a aprovação da medida pelo Congresso. Demais textos que não dependem de mudança na Constituição podem ser apresentados durante a tramitação da PEC. A proposta, fechada nesta quarta-feira (2) pelo Palácio do Planalto, define que as contratações no serviço público terão três níveis de estabilidade. Eles permanecerão em moldes semelhantes às regras atuais, com maior segurança no cargo, para carreiras típicas de estado, como diplomatas, militares e auditores fiscais.
A delimitação da lista de carreiras, no entanto, deve ser fruto de regulamentação futura. Para o restante dos servidores concursados, haverá um contrato de trabalho por tempo indeterminado, com estabilidade mais flexível. Será menor a rigidez para o caso de o governo precisar, por exemplo, fazer desligamentos por conta de restrições fiscais. Esses postos terão função mais abrangente, facilitando remanejamento de pessoal para áreas com maior necessidade. No terceiro nível, sem estabilidade, trabalhadores poderão ser contratados com prazo determinado.
A ideia é usar esses serviços para demandas pontuais e temporárias. Críticos da medida afirmam que o fim da estabilidade coloca em risco a atuação dos servidores, que ficariam mais vulneráveis a pressões políticas. Segundo técnicos do Ministério da Economia, a norma não vai permitir demissões baseadas em critérios arbitrários ou por preferências político-partidárias. O governo também pretende promover uma drástica redução do número de funções no serviço público. Atualmente, são 117 carreiras que abrigam mais de 2.000 cargos diferentes.
O governo federal trabalha para reduzir o número de carreiras para algo entre 20 e 30. No entanto, a lista de postos extintos também só será conhecida em um segundo momento. Um dos formuladores da reforma afirma que a PEC não cita carreiras específicas. Isso será tratado em normas infraconstitucionais enviadas posteriormente. Outro ponto que deve ser apresentado apenas no futuro é o redesenho das tabelas salariais.
O governo quer reduzir os salários de entrada e criar mais faixas para progressão ao longo da carreira. Esses detalhes serão tratados em projeto de lei em outra fase da reforma. A proposta que será apresentada nesta quinta-feira pode trazer as bases para as novas regras de avaliação de desempenho, que ficarão mais rígidas. As progressões automáticas devem ser extintas. Nos planos da equipe econômica, esse seria um dos poucos pontos com validade para os atuais servidores. Diante da determinação do presidente de que as regras tenham efeito apenas para novos contratados, o funcionalismo em atividade hoje pode ser poupado.
O processo para efetivação no cargo após um concurso e obtenção de estabilidade também deve ficar mais rigoroso e pode durar um período maior do que o existente hoje, de três anos. A primeira fase também incluirá proposta para acelerar a privatização de estatais no país. O texto, segundo assessores presidenciais, prevê que a venda passaria a ser autorizada caso o Executivo de cada ente federativo não manifeste a intenção de preservar a empresa.
Com isso, a intenção do governo é inverter o processo de privatização. Deixaria de ser demandado um aval legal para a venda, e passaria a haver uma necessidade legal para impedi-la. A proposta também irá prever que cada unidade federativa defina salários, aumentos e bônus a servidores públicos por meio de comitês regionais formados por representantes do poder público e da sociedade civil. O objetivo é tentar aproximar as remunerações do serviço público às das empresas privadas, levando sempre em consideração a situação fiscal do ente. As decisões só serão adotadas quando foram unânimes.
Na formulação final, o presidente deixou de fora o veto à filiação partidária de futuros servidores públicos. O ponto, proposto pela equipe econômica, foi retirado após forte reação contrária de deputados e senadores. Membros do governo afirmam que a PEC pode ter tramitação longa e que a implementação integral de todas as etapas da reforma pode demandar debates no Congresso até o fim do mandato de Bolsonaro, em 2022. Neste ano, o governo conseguiu aprovar no Legislativo medidas que travam salários de servidores até 2021 e limitam as possibilidades de concursos.
Com isso, o Executivo ganha tempo para concretizar todas as fases da reforma, que enxuga a máquina pública e reduz gastos com pessoal. Ao fatiar a reforma administrativa, o governo deixa pontas soltas na proposta a ser encaminhada nesta quinta. Portanto, a equipe econômica terá que enfrentar novos debates no Congresso sobre pontos específicos e polêmicos da reestruturação do funcionalismo. A reforma começou a ser gestada ainda no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB).
Apesar de ter uma base de apoio no Congresso mais sólida que Bolsonaro, Temer acabou desistindo de propor mudanças estruturais, como um limite de R$ 5 mil para o salário inicial de servidores federais do Poder Executivo. O receio era gerar desgaste com o funcionalismo público — que tem um forte lobby no Congresso — e com parlamentares ligados a corporações.
Apesar de Bolsonaro (após idas e vindas) indicar apoio à reforma administrativa nesta semana, líderes partidários acreditam que a proposta inicial só deve ser analisada em 2021. Um dos motivos, segundo eles, é a falta de empenho dos núcleos político e militar do governo. A reestruturação do funcionalismo mexe com setores que são base eleitoral do bolsonarismo, como a bancada da segurança pública. Além disso, ministros militares integram a articulação política do Palácio do Planalto.
Mesmo com o apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), líderes avaliam que a reforma terá dificuldades no Congresso neste ano. Por ser uma PEC, a proposta tem tramitação longa e depende de apoio de 60% da Câmara e do Senado. Um projeto como esse depende de uma ampla negociação política com partidos. Outro fato citado nos bastidores do Legislativo é que, com a proximidade das eleições municipais, o assunto pode gerar desgaste, principalmente a deputados que tentam concorrer a prefeituras.
Em agosto, o então secretário Paulo Uebel, que cuidava da elaboração da reforma administrativa, deixou o cargo alegando insatisfação com a demora para o envio da proposta. Depois disso, o governo correu para não deixar a imagem da agenda de Guedes se desgastar. As novas regras para servidores estão sendo baseada em três grandes objetivos: modernizar do Estado, por meio de uma gestão com metas; aproximar o setor público da realidade brasileira; e possibilitar um Estado financeiramente sustentável.
Apesar da situação das contas públicas, o próprio governo reconhece que os principais benefícios nesse último quesito ficarão no longo prazo, porque a reforma não afeta os atuais servidores. O gasto com pessoal representa a segunda maior despesa primária da União, atrás apenas da Previdência. De acordo com o governo, apenas no âmbito federal, aproximadamente R$ 300 bilhões do Orçamento ficam comprometidos com pessoal. O governo diz que, considerando União, estados e municípios, o país destina 13,6% do seu PIB para pagamento da folha dos servidores públicos, percentual que estaria acima da média da União Europeia (9,9%) ou dos Estados Unidos (9,5%).
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