Folhapress
Wilson Witzel08 de setembro de 2020 | 06:54Após criar desarranjo, STF deve definir critério sobre retirada de governadores
A retirada de Wilson Witzel (PSC) do Governo do Rio de Janeiro e as investigações que atingem outros seis governadores reativaram o debate sobre as regras para afastamento de gestores estaduais pela via judicial.
Especialistas apontam que decisões recentes do STF (Supremo Tribunal Federal) criaram um desarranjo na atuação da Justiça em relação a políticos com mandato eletivo e que é preciso consertá-lo.
Na avaliação desses especialistas e de integrantes do Supremo, os entendimentos firmados pela corte nos últimos anos desequilibraram o sistema, uma vez que o tribunal, em um curto intervalo de tempo, enfraqueceu o mandato de governadores e fortaleceu o de parlamentares.
Esse cenário aliado ao fato de Witzel ter sido afastado inicialmente do cargo por uma decisão monocrática do ministro Benedito Gonçalves, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), preocupou governadores e levou ao aumento da pressão para o Supremo rediscutir o tema.
A tendência hoje é que o Supremo mantenha o poder do STJ de afastar governadores, mas crie requisitos mais rígidos para decisões desta natureza, como a exigência de julgamento colegiado.
Em 2017, o tribunal já se debruçou sobre o tema ao julgar diversas ações contra constituições estaduais que tinham replicado no âmbito local a regra para presidente da República, que só pode responder a uma ação penal com autorização do Congresso.
Na ocasião, a corte declarou inconstitucional as normas regionais e empoderou o STJ ao determinar que o recebimento de denúncia não exigia aval da Assembleia Legislativa local.
Sobre a retirada de governadores do cargo, o Supremo afirmou que o STJ também poderia fazê-lo, mas decidiu que não seria uma consequência automática do ato de recebimento da denúncia, como é o caso do chefe do Executivo nacional.
O STF, assim, ampliou os poderes do tribunal superior ao permitir a remoção do mandato, desde que fosse por decisão fundamentada. O que os ministros do Supremo não esperavam, segundo relatos, é que esse afastamento se daria por despacho individual.
No último dia 28, o ministro Benedito Gonçalves autorizou uma operação policial contra um suposto esquema de desvios da verba da saúde que seria liderado por Witzel, o afastou do cargo e rejeitou um pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República) para que ele fosse preso.
Dias depois a corte especial do STJ referendou a liminar de Benedito por 14 votos a 1, mas diversos integrantes da corte demonstraram insatisfação com o fato de o afastamento ter ocorrido por despacho individual.
Ao removê-lo do posto, Benedito afirmou que há um grupo criminoso instalado no Governo do Rio que “continua agindo, desviando e lavando recursos em plena pandemia, sacrificando a saúde e mesmo a vida de milhares de pessoas”.
No julgamento na corte especial do STJ, os ministros do STJ Maria Thereza e Mauro Campbell, por exemplo, votaram para manter o despacho do colega, mas ressaltaram que esse tipo de decisão deveria ter sido tomada pelo colegiado.
Em 2017, quando o STF julgou o tema, o ministro Marco Aurélio deu uma declaração nesse sentido, mas na oportunidade a corte não entrou nesse mérito e decidiu apenas pela dispensa do aval das assembleias.
“Em se tratando do chefe do Poder Executivo estadual, eleito pelo povo, há de colar-se ao afastamento segurança maior, não cabendo a atuação individual do relator”, disse Marco Aurélio.
Outro governador que também é investigado e está com o caso nas mãos de Benedito é o de Santa Catarina, Carlos Moisés (PSL). Assim como Witzel, ele se candidatou sem favoritismo, foi eleito na onda que deu a vitória a Bolsonaro e, no cargo, se afastou do presidente da República.
Agora, ele é alvo de apuração da Polícia Federal, determinada pelo ministro do STJ, que investiga a compra de 200 respiradores pelo governo local.
A aquisição dos equipamentos custou R$ 33 milhões e, no início de agosto, o Ministério Público Federal pediu a instauração de inquérito sobre o caso. Moisés responde a dois processos de impeachment na Assembleia local.
Para o professor Ademar Borges, doutor em direito constitucional, o ideal seria o Supremo fixar que o afastamento de governador só pode ocorrer no momento do recebimento da denúncia apresentada pela PGR ou depois.
“Este seria o momento mais adequado para verificar a necessidade de retirá-lo do cargo, pois permitiria o contraditório e a ampla defesa e seria uma decisão colegiada, que sempre é mais segura”, diz
Para Borges, o STF permitiu que governadores fossem processados criminalmente, mas não adotou “nenhum tipo de cautela institucional para evitar a banalização desse tipo de decisão”.
Ele afirma que a discussão se relaciona com duas diretrizes importantes da Constituição: uma é o princípio democrático, que pesa em favor do mandato, e a outra é o princípio federativo, uma vez que se trata de uma intervenção do STJ no âmbito estadual.
O professor afirma que uma solução seria o STF estabelecer critérios mais rígidos para o afastamento de governadores. “Talvez seja uma saída para compensar a invalidação do aval democrático que era precisava ser dado pelo parlamento estadual”, afirma.
O professor Thomaz Pereira, da FGV-Direito-Rio, explica que há duas discussão jurídicas necessárias sobre o tema: a primeira é a possibilidade de o afastamento ocorrer antes do recebimento da denúncia e a segundo é sobre a retirada do cargo ter se dado por decisão individual de um magistrado.
“No direito processual penal brasileiro atual, existem diversos poderes dados ao relator, entre eles o poder geral de cautela, que autoriza a adoção de medidas cautelares. Mas o mais prudente e melhor para o funcionamento das instituições seria que o afastamento ocorresse por julgamento colegiado.”
Ele afirma que a decisão de 2017 deu grandes poderes ao STJ. “O tribunal pode afastar sem receber a denúncia ou receber a denúncia e não afastar”, diz.
Para o professor da FGV Direito-SP Rubens Glezer, o sistema precisa ser “recalibrado”. “Permitir monocráticas nesse tipo de decisão é aceitar a implosão do sistema de Justiça”, afirma.
O especialista, no entanto, pondera que o STF não tem condições de cobrar decisões colegiadas do STJ, porque foi ele mesmo quem começou a exagerar nos despachos monocráticos.
Na avaliação do professor, o precedente aberto por Benedito pode trazer outros impactos negativos e politizar o tribunal.
“Além da vulnerabilização do mandato, pode começar a ter pressão de pessoas nada republicanas que querem usar o STJ e achar alguém disposto a perseguir um inimigo. Desperta o interesse em gente desse perfil e a médio e longo prazo pode atrair ao tribunal pessoas”.
Comentários
Postar um comentário