Pular para o conteúdo principal

Marcelo Crivella20 de maio de 2020 | 06:42

Doações de políticos para combate ao coronavírus entram na mira da Justiça Eleitoral

BRASIL
Insatisfeitos por não conseguirem aprovar um projeto que previa a redução de seus próprios salários durante a pandemia do coronavírus, vereadores de Avaré (SP) subiram à tribuna da Câmara Municipal e prometeram contribuir no combate à doença de qualquer forma.
No início deste mês, eles foram à Santa Casa de Misericórdia do município e fizeram uma doação financeira à entidade. O momento da entrega dos cheques ao provedor da instituição foi registrado em uma selfie e circulou nos sites de notícias locais.
O registro, afirmam, não teve intenção eleitoral.
“Fizemos com a maior das boas intenções”, diz o vereador Cabo Sergio (Cidadania), um dos presentes na entrega de cheques. “Prometemos em plenário que, se não fosse aprovada a redução, doaríamos os nossos salários.”
Apesar das justificativas, esse tipo de divulgação, que tem se tornado comum entre políticos nos últimos meses, acendeu o alerta de autoridades em ano de eleições municipais.
Mesmo apontando que cada caso deve ser analisado dentro de um contexto próprio, o Ministério Público e advogados eleitorais afirmam que políticos que pretendem concorrer às eleições deste ano e anunciam doações de seus salários correm o risco de ser enquadrados em atos previstos no Código Eleitoral.
“Cada caso tem que ser visto concretamente”, diz Sergio Medeiros, procurador regional eleitoral de São Paulo. Segundo ele, as situações devem ser analisadas “sob o prisma do abuso de poder, administrativo ou econômico, com fortes indícios de que esteja ocorrendo”.
Medeiros afirma que, “para tentar frear esses abusos”, a Procuradoria Regional Eleitoral enviou instrução aos promotores eleitorais de São Paulo para que fizessem recomendações aos prefeitos.
Em entendimento recente, o TRE-RS (Tribunal Regional Eleitoral) do Rio Grande do Sul apontou que doações só podem ocorrer de forma meramente institucional, sem “caráter eleitoreiro ou como forma de promoção pessoal”.
Além de Avaré, em diversas outras cidades de São Paulo houve divulgação da doação do salário dos prefeitos em primeiro mandato.
É o caso de Daniel Alonso, de Marília, de Orlando Morando, de São Bernardo do Campo, e de Paulo Serra, de Santo André. Todos são filiados ao PSDB.
Em Ribeirão Pires (Grande São Paulo), o prefeito Kiko Teixeira (PSB) publicou na internet um comprovante de transferência bancária de 50% do seu salário para “ajudar famílias que estão passando por momentos difíceis”.
No Rio de Janeiro, o prefeito da capital, Marcelo Crivella (Republicanos), também doou o seu salário de abril, em um anúncio que foi publicado no próprio site da prefeitura, para o Fundo Emergencial de Combate ao Coronavírus.
Há ainda outros casos de doação de salários no Rio Grandes do Sul, na Bahia e em Santa Catarina.
A promotora de Justiça Vera Taberti, que atua na área eleitoral em São Paulo, afirma que não existe vedação legal para doações filantrópicas de pessoas físicas a famílias que estejam em situação econômica precária.
No entanto, diz a promotora, “os prefeitos e vices e vereadores podem realizar tal prática sem fazer uso promocional de sua imagem e sem conotação eleitoral”.
Caso isso aconteça, pode ser entendido que houve abuso de poder econômico, gerando ação que acarreta cassação do diploma do candidato eleito e inelegibilidade.
Também é possível o enquadramento na prática de propaganda antecipada, cuja sanção é multa. Além disso, Taberti afirma que “as entidades beneficiadas pela doação não podem ter ligação com os doadores ou familiares destes”.
Em Penápolis (SP), o vice-prefeito Carlos Alberto Feltrin, pré-candidato à sucessão do atual prefeito, foi além da doação: participou da distribuição de alimentos não perecíveis na cidade, registrada em fotos publicadas em redes sociais.
Procurado, o vice-prefeito de Penápolis afirma que integrou a campanha como “cidadão voluntário”.
Para o advogado e professor de direito eleitoral Renato Ribeiro de Almeida, situações desse tipo podem provocar a multa, cassação de mandato e inelegibilidade.
“Até em termos bíblicos, uma doação é doar sem se promover. Ninguém precisa ficar causando, chamando imprensa escrita, radio local, TV local e falar: olha como eu sou generoso”, diz Ribeiro. “Você está promovendo a si mesmo, o que no direito eleitoral seria um ilícito.”
As interpretações a respeito desse tema, no entanto, divergem. A advogada Ana Carolina Cleve, presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral, diz que se a doação for com recursos próprios e para uma pessoa jurídica, “é tolerável que agentes políticos queiram divulgar suas ações”. Mas, quando há doação para pessoas físicas, é mais fácil a Justiça entender que há eventual irregularidade eleitoral.
Procurado, o vereador de Avaré Flávio Zandoná (Cidadania), um dos que doaram seus salários, afirmou que os vereadores fizeram a doação para cumprir promessa feita quando a Câmara não aceitou reduzir os salários.
“Se acarretar em uma denúncia, vamos nos defender, mas a gente fez nossa parte. Foi errado ter divulgado? Pode ter sido, mas não foi a nossa intenção.”
A vereadora Adalgisa Ward (PSD) reforça que a doação teve o propósito de cumprir a promessa feita em plenário e não foi eleitoreira.
Além de Zandoná, Ward e do Cabo Sergio, o vereador Ernesto Albuquerque (PT) também tirou uma foto doando ao provedor da Santa Casa. A reportagem não localizou o vereador.
Em nota, a Prefeitura do Rio afirma que o gesto do prefeito Marcelo Crivella não gera desigualdade eleitoral, já que os recursos foram doados para o combate à pandemia, não para campanha.
Também diz que não houve abuso de poder econômico, porque os valores dos salários não são “de alto vulto”.
“Não se trata de promoção pessoal com uso da coisa pública, porque o dinheiro, além de ter partido do salário do prefeito, não foi destinado à promoção pessoal, foi, sim, um gesto exemplar e de caráter informativo e educativo quanto à relevância da solidariedade, num momento único vivido pela humanidade”, diz.
Os prefeitos de Santo André e de Ribeirão Pires afirmam que fizeram um “gesto humanitário” e os recursos foram para os Fundos Sociais de Solidariedade dos municípios, “impedindo, portanto, a identificação do cidadão beneficiado”.
O prefeito de São Bernardo, Orlando Morando, diz que doa parte de seu salário desde que tomou posse para entidades assistenciais e que, quando estava internado devido à Covid-19, sua mulher, a deputada estadual Carla Morando (PSDB), “tomou a iniciativa de doar seu salário como parlamentar e anunciou que o salário do prefeito também seria doado integralmente”. O recurso irá para um fundo municipal que ajuda no combate à pandemia.
Procurado, o prefeito de Marília não se manifestou.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Atuação que não deixam dúvidas por que deveremos votar em Felix Mendonça para Deputado Federal. NÚMERO  1234 . Félix Mendonça Júnior Félix Mendonça: Governo Ciro terá como foco o desenvolvimento e combate às desigualdades sociais O deputado Félix Mendonça Júnior (PDT-BA) vê com otimismo a pré-candidatura de Ciro Gomes à Presidência da República. A tendência, segundo ele, é de crescimento do ex-governador do Ceará. “Ciro é o nome mais preparado e, com certeza, a melhor opção entre todos os pré- candidatos. Com a campanha nas Leia mais Movimentos apoiam reivindicação de vaga na chapa de Rui Costa para o PDT na Bahia Neste final de semana, o cenário político baiano ganhou novos contornos após a declaração do presidente estadual do PDT, deputado federal Félix Mendonça Júnior, que reivindicou uma vaga para o partido na chapada majoritária do governador Rui Costa (PT) na eleição de 2018. Apesar de o parlamentar não ter citado Leia mais Câmara aprova, com...
Ex-presidente da Petrobras tem saldo de R$ 3 milhões em aplicações A informação foi encaminhada pelo Banco do Brasil ao juiz Sergio Moro N O ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine (Foto: Cristina Indio do Brasil/Agência Brasil) Em documento encaminhado ao juiz federal Sergio Moro no dia 31 de outubro, o Banco do Brasil informou que o ex-presidente da Petrobras e do BB Aldemir Bendine acumula mais de R$ 3 milhões em quatro títulos LCAs emitidos pela in...
Grécia e credores se aproximam de acordo em Atenas Banqueiros e pessoas próximas às negociações afirmam que acordo pode ser selado nos próximos dias Evangelos Venizelos, ministro das Finanças da Grécia (Louisa Gouliamaki/AFP) A Grécia e seus credores privados retomam as negociações de swap de dívida nesta sexta-feira, com sinais de que podem estar se aproximando do tão esperado acordo para impedir um caótico default (calote) de Atenas. O país corre contra o tempo para conseguir até segunda-feira um acordo que permita uma nova injeção de ajuda externa, antes que vençam 14,5 bilhões de euros em bônus no mês de março. Após um impasse nas negociações da semana passada por causa do cupom, ou pagamento de juros, que a Grécia precisa oferecer em seus novos bônus, os dois lados parecem estar agindo para superar suas diferenças. "A atmosfera estava boa, progresso foi feito e nós continuaremos amanhã à tarde", d...