STF acelera busca de provas, e Bolsonaro ensaia plano para evitar retaliações
BRASIL
A divulgação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril encerra um capítulo do inquérito para apurar suposta tentativa de interferência do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal.
Um novo, porém, foi aberto. Bolsonaro agora avalia procurar o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, para diminuir mal-estar e evitar retaliações.
O temor é de uma eventual reação da corte a uma crítica feita pelo ministro Abraham Weintraub (Educação). Na reunião, ele disse que colocaria “esses vagabundos todos na cadeia”, começando no STF.
A queda do sigilo do encontro ocorreu exatamente um mês após o encontro. Segundo o ex-ministro Sergio Moro (Justiça), o vídeo mostraria que o presidente o ameaçou para que fizesse trocas na PF.
Procuradores, ministros do Supremo e integrantes do governo consideram que Celso de Mello, relator do inquérito, tem adotado ritmo célere em busca de provas para sustentar a investigação.
Bolsonaro também tem pressa. A fala de Weintraub, criticada em caráter reservado até mesmo pelo presidente, piorou a já conturbada relação entre Executivo e Judiciário.
A preocupação de Bolsonaro foi manifestada nesta sexta-feira (22) e neste sábado (23) a assessores presidenciais e aliados.
O receio do presidente é que o episódio seja usado como justificativa para que o Judiciário imponha novas derrotas ao Executivo, seja no curso da investigação, seja em processos no Supremo.
Para tentar superar o episódio, aliados do presidente o aconselharam a procurar Toffoli. A ideia é que Bolsonaro aproveite a conversa para minimizar a declaração de Weintraub.
O presidente ainda deverá reafirmar ao ministro do Supremo o compromisso do Executivo com a independência dos três Poderes.
Segundo a coluna Mônica Bergamo, integrantes da corte opinam que, em um primeiro momento, o vídeo não deverá impulsionar as investigações contra Bolsonaro.
Para o presidente, porém, uma amostra de que pode haver uma reação negativa foi a decisão de Mello de encaminhar à PGR (Procuradoria-Geral da República) pedido da oposição para que seu celular seja apreendido e periciado.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, já citou a “marcha acelerada” das decisões do ministro.
Na celeuma em torno do sigilo da reunião, Mello fez questão de deixar claro que decidiria “brevissimamente” sobre a questão, apesar dos entraves operacionais para assistir à gravação, uma vez que o decano do STF está em isolamento em São Paulo.
À exceção do período de uma semana que levou para decidir sobre a publicidade do vídeo, desde que determinou a instauração do inquérito o ministro encurtou prazos para coleta de depoimentos, determinou perícia na gravação e mandou “oficiar com urgência” o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, e outros dois integrantes do governo para a entrega do vídeo.
Mello também mencionou a possibilidade de fazer “condução coercitiva” de ministros do governo na hipótese de não prestarem espontaneamente os depoimentos.
Para corroborar as acusações de Moro, foram ouvidos os generais Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), e Walter Braga Netto (Casa Civil).
Moro disse que os três estavam presentes em reuniões e presenciaram o presidente ameaçando demiti-lo.
O ritmo imposto pelo ministro incomoda integrantes do governo e da PGR. O ministro levou três dias para autorizar a abertura do inquérito, em 27 de abril. Inicialmente, o decano do STF deu 60 dias para a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral fazerem a oitiva do ex-ministro da Justiça.
Três dias depois, Mello acolheu um pedido de urgência de congressistas e reduziu para cinco dias o prazo para a coleta do depoimento, e o fez sem pedir manifestação da PGR a respeito.
Juristas observam também que, quando tomou a decisão, os autos do inquérito estavam sob a tutela da PGR.
Em 1º de maio, a Procuradoria designou três procuradores para acompanhar diligências, que foram encaminhados à PF. O depoimento de Moro fora marcado para o dia seguinte, dia 2 de maio. No dia 4, a PGR pediu mais diligências, como a oitiva dos ministros de Estado.
Em 5 de maio, Mello deu 72 horas para o Palácio do Planalto entregar uma cópia dos “registros audiovisuais” da reunião de 22 de abril.
No dia seguinte, a AGU (Advocacia-Geral da União) pediu que o ministro reconsiderasse a decisão sob o argumento de que na reunião poderiam ter sido “tratados assuntos potencialmente sensíveis e reservados de Estado, inclusive de relações exteriores, entre outros”.
Menos de 24 horas depois, o governo pediu para entregar só uma parte.
Os recursos em série levaram a especulações nas cortes superiores em Brasília sobre se Bolsonaro descumpriria a decisão do ministro.
Diante desse cenário, às vésperas do fim do prazo, a avaliação de integrantes de tribunais é a de que Mello poderia inclusive ter pedido a busca e apreensão no Palácio do Planalto para ter acesso ao registro audiovisual do encontro caso o governo descumprisse a decisão judicial.
Em uma sexta, dia 8, data-limite da entrega da gravação pelo governo imposta pelo decano, ministros do Supremo entraram em campo para buscar um entendimento entre Bolsonaro e sua assessoria jurídica e a corte para a entrega do vídeo.
O ministro da AGU, José Levi do Amaral, chegou a externar em telefonemas a integrantes da corte a preocupação da cúpula do Executivo sobre quem teria acesso à gravação.
A preocupação também foi expressa em uma terceira petição da AGU a Mello apresentada na tarde daquela sexta, em que ele pedia para saber quem teria acesso ao material uma vez que ele chegasse ao Supremo.
Do outro lado, embora tivesse pedido parecer à PGR, Mello deu sinais de que não pretendia ceder aos apelos da AGU de aceitar a entrega de só parte do conteúdo. Pelo contrário.
Na véspera da entrega do vídeo, houve o receio de integrantes do Judiciário e do governo de uma crise mais aguda com o Executivo caso houvesse descumprimento do prazo e Mello determinasse mandar apreender o vídeo.
O ministro tem deixado explícito que as decisões devem ser cumpridas, como disse que os ministros do governo poderiam ser conduzidos “debaixo de vara” caso não prestassem o depoimento sobre a possível interferência de Bolsonaro na autonomia da PF.
Ao levantar o sigilo do vídeo, o decano do STF também alertou que o descumprimento de ordem judicial pode levar o presidente ao cometimento de crime de responsabilidade.
No caso da entrega do vídeo, avaliaram pares do Mello e procuradores, não seria diferente.
Do ponto de vista jurídico, se o governo não respeitasse o período estipulado pela Justiça, representada no caso pelo ministro, estaria caracterizado o descumprimento de ordem judicial, o que permite a determinação de medidas mais invasivas, como busca e apreensão.
Dado o cenário, integrantes do governo e do Supremo conversaram e houve a entrega do vídeo no fim da tarde de sexta.
Assim que chegou ao STF, o material, original, foi lacrado em um envelope com as assinaturas do advogado-geral da União, da delegada responsável pelo caso e um representante do Supremo.
Depois dessa etapa, o vídeo foi colocado em um cofre filmado, onde ficam as provas de caráter sigiloso da corte, até o despacho de Mello determinando que as partes assistissem ao conteúdo do vídeo.
Advogados consideram normal o ministro imprimir ritmo mais rápido ao inquérito por envolver o presidente da República. E, de fato, tramitação da investigação é muito mais célere do que outras sob relatoria de Mello.
Relator do inquérito contra Weintraub por racismo em publicação nas redes sociais em que insinua que a China se beneficiou pela pandemia, o ministro levou 14 dias para determinar o início das investigações, enquanto no caso de Moro e Bolsonaro foram três dias.
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