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Os estragos causados por Gilmar Mendes à Lava Jato

O ministro Gilmar Mendes lidera uma corrente no Supremo que resiste à Lava Jato e tem favorecido acusados de corrupção

DÉBORA BERGAMASCO
22/12/2017 - 20h13 - Atualizado 22/12/2017 20h34
Gilmar Mendes (Foto: Mateus Bonomi/AGIF)
Em meio a balões vermelhos e anjos de pano com enfeites dourados, o ex-governador Anthony Garotinho celebrou o fim de quase um mês de prisão, entre a cadeia de Benfica e a penitenciária de Bangu, no Rio de Janeiro. Sua mulher, a ex-governadora Rosinha Matheus, e sua filha, a deputada Clarissa Garotinho, o aguardavam na chegada, na quinta-feira (21), com um prato de sopa leve sobre a mesa de casa. Um grupo de oração já estava escalado para se reunir durante o fim de semana para agradecer a Deus a benesse concedida a Garotinho. A reza era endereçada a Deus no céu e na Terra ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que proferiu a decisão logo no primeiro dia de seu plantão durante o recesso do Judiciário.
Garotinho é acusado de receber cerca de R$ 3 milhões de propina da JBS na eleição de 2014. Sua prisão foi feita com base nos depoimentos e dados fornecidos pelos delatores do grupo, hoje presos também. Natal tranquilo e em paz será desfrutado também por seu companheiro de acusação. Presidente do partido de Garotinho, o PR, o ex-­senador e ex-ministro Antonio Carlos Rodrigues também ganhou o benefício de passar o Natal em casa, não na penitenciária. Acusado de negociar propina de R$ 3 milhões da JBS, Rodrigues ficou uma semana foragido antes de se entregar, numa afronta à lei.
>> A elite política vence a Lava Jato
Nesta semana, o ministro Gilmar Mendes garantiu boas-festas a mais oito políticos e empresários acusados – ou suspeitos – de cometer crime de corrupção. A ex-primeira-dama do Rio de Janeiro Adriana Ancelmo foi condenada a 18 anos de prisão por lavagem de dinheiro e por ter desfrutado de joias, viagens e diversos luxos do esquema de corrupção comandado pelo marido, o ex-governador Sérgio Cabral. Nesta semana, Adriana foi agraciada pela segunda vez com o direito de cumprir prisão domiciliar. Trocou a cadeia de Benfica, onde estava detida desde 23 de novembro, pelo confortável apartamento no Leblon. O ministro Gilmar Mendes aceitou os argumentos da defesa, de que ela precisa cuidar do filho de 12 anos. Disse que a condição financeira privilegiada de Adriana não poderia “ser usada em seu desfavor”.
Gilmar Mendes é um ministro de perfil “garantista”, que prefere não enviar pessoas para a prisão. Nos últimos dias, no entanto, sua postura foi além do garantismo, para adentrar o terreno do “abolicionismo”, que consiste não só em não prender, como em libertar quem for possível da cadeia ou de investigações e denúncias. É notória sua postura contrária à Lava Jato e, principalmente, ao ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. Na terça-feira (19), Gilmar Mendes lembrou-se do desafeto ao votar no caso conhecido como quadrilhão do PMDB, no qual são réus os ex-ministros Henrique Alves e Geddel Vieira Lima, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e o ex-­assessor do presidente Michel Temer Rodrigo Rocha Loures, o homem da corridinha com a mala de R$ 500 mil.
Alguns torniquetes na sangria (Foto: Época)
O Supremo decidiu tirar o julgamento da turma das mãos do juiz Sergio Moro, em Curitiba, e passar para o juiz Vallisney Oliveira, em Brasília. Gilmar Mendes foi dos que votaram para tirar o caso de Moro e, como se tratava de uma investigação de Janot, aproveitou para criticar a homologação da delação da JBS, aquela que quase derrubou o presidente Michel Temer. Mendes considera que foi um erro do Supremo. “Investigação malfeita, junta o áudio e não pede perícia. O que nós estamos vendo aqui na verdade é a descrição de um grande caos. Serviço malfeito, apressado, ‘corta e cola’, com as contradições que foram aqui apontadas. Isso é vexaminoso para o tribunal”, disse. “Combate à corrupção se faz nos termos da lei, na forma da lei. Essas são as bases do estado de direito. O resto é bravata, é discurso.”
>> Adiamento de julgamento no STF atrapalha a Lava Jato
Apesar das discordâncias com a Lava Jato, do estilo mais agressivo, Gilmar Mendes não se encaixa na figura do ministro voto vencido, como já foi o colega Marco Aurélio Mello – que, recentemente, expôs a má relação com Mendes nos termos de um duelo. Como aconteceu no caso do quadrilhão, Gilmar Mendes tem apoio no plenário. Tem sido seguido em seus entendimentos pelos ministros Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski, seus colegas na Segunda Turma. Os três costumam concordar nas críticas a acordos de delação premiada, o motor investigatório da Lava Jato. Há pouco mais de um mês, Lewandowski deixou o tribunal e os investigadores atônitos ao não homologar a delação premiada do marqueteiro Renato Pereira, que devasta o PMDB do Rio, feita nos mesmos parâmetros de outras aceitas pelo Supremo.
Na tarde da segunda-feira (18), a Segunda Turma estava desfalcada de Lewandowski, em licença médica, e de Celso de Mello, que passara por um episódio de pressão alta. Com apenas três ministros, o relator da Lava Jato, o ministro Edson Fachin, sugeriu adiar o exame das denúncias oferecidas pela Procuradoria-Geral da República no âmbito da Lava Jato contra o senador Benedito de Lira e seu filho, o deputado Arthur Lira; contra o deputado Eduardo “Dudu” da Fonte e o deputado José Guimarães, do PT.
Os colegas não concordaram. O que se seguiu foi uma dobradinha Mendes-­Toffoli em favor dos quatro acusados. O senador Benedito de Lira e o filho, ambos do PP, eram acusados de corrupção passiva e lavagem de dinheiro por terem recebido R$ 2,6 milhões em propina do esquema da Petrobras. Foram liberados.
Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli (Foto: REUTERS/Ueslei Marcelino)
O deputado Dudu da Fonte era acusado de participar de um conluio para cobrar propina para barrar investigações da CPI da Petrobras, em 2009. Primeiro delator da Lava Jato, o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa afirmou que Dudu intermediou um encontro com o então presidente do PSDB, Sérgio Guerra, e que o partido levou R$ 10 milhões para esfriar a CPI. Há um vídeo do encontro. “O simples fato de o denunciado Eduardo da Fonte e o senador Sérgio Guerra terem se encontrado com Paulo Roberto Costa em algumas oportunidades não traduz, por si só, seu concurso para a solicitação de vantagem indevida”, disse o ministro Dias Toffoli. Com o voto de Gilmar Mendes, Dudu escapou. Também foi para o arquivo a denúncia de lavagem de dinheiro e corrupção passiva contra o deputado José Guimarães, do PT do Cea­rá, acusado de receber propina de quase R$ 100 mil da construtora Engevix.
Além das libertações e do arquivamento em série na Segunda Turma, no mesmo dia Gilmar Mendes concedeu uma liminar que suspendeu um inquérito no Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o governador do Paraná, Beto Richa, do PSDB. Ele é suspeito de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica eleitoral. “O Ministério Público local não apenas invadiu, por duas vezes, a competência da Procuradoria-Geral da República e do Superior Tribunal de Justiça, mas também o fez oferecendo ao acusado benefícios sem embasamento legal”, disse. Richa não pode nem ser investigado.
Na terça-feira (19), antes de começar o recesso e após a sucessão de decisões, ministros do Supremo falaram reservadamente sobre suas preocupações em torno da volta da impunidade dos poderosos, que parecia uma conquista recente iniciada no mensalão e que ganhara corpo com a Lava Jato. Da conversa saiu a convicção, segundo relatos feitos a ÉPOCA, de que nunca fez tanto sentido a existência de uma iniciativa para “estancar a sangria” (leia-se a Lava Jato), a inesquecível expressão do presidente nacional do MDB, senador Romero Jucá.
Diversas ações recentes, do Executivo, do Legislativo e do Judiciário ameaçam a Lava Jato. Na última delas, na mesma terça-feira, o ministro Gilmar Mendes suspendeu, em decisão liminar, o uso da condução coercitiva, ou seja, quando a pessoa é levada pela polícia de forma forçada para depor sem intimação prévia. Apenas o juiz federal Sergio Moro autorizou 225 pedidos assim na Lava Jato. O caso mais conhecido é o do ex-presidente Lula, ocorrido em março do ano passado. Como o Judiciário está em recesso até fevereiro, a decisão de Gilmar Mendes prevalecerá até lá. O país terá tempo de entender melhor o que aconteceu no final de 2017.


 





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