Pular para o conteúdo principal

A delação da JBS perde força

O Supremo Tribunal Federal usa o desgaste da delação da JBS para ignorar as provas produzidas por ela

O senador Aécio Neves e o presidente Michel Temer.Eles se livram pelo desgaste da delação (Foto: Ueslei Marcelino/Reuters)
Passados dez minutos do meio-­dia de 2 de dezembro, o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu: era hora de livrar Andrea Neves, irmã do senador tucano Aécio Neves, das pesadas amarras da prisão domiciliar e do uso da tornozeleira eletrônica. Ela não era sequer o alvo inicial do pedido de liberdade. Seus benefícios foram estendidos a ela pelo ministro. Os advogados de outros dois réus, Frederico Pacheco, o Fred, e Mendherson Souza Lima, é que entraram com recurso para suspender as medidas restritivas impostas a seus clientes. Fred é primo de Andrea e Aécio – é aquele que o senador diz que “mata antes de fazer delação” na gravação com Joesley Batista, da JBS. Mendherson é o ex-assessor do senador Zezé Perrella, do PMDB mineiro. Andrea, Fred e Mendherson cumpriam prisão domiciliar, com tornozeleira, porque foram denunciados na ação que investiga Aécio e os R$ 2 milhões que ele recebeu de Joesley. Em fevereiro, Andrea pediu a quantia para Joesley, que repassou o dinheiro para Fred, por indicação de Aécio. Fred, então, entregou o dinheiro para Mendherson. Tudo devidamente acompanhado pela Polícia Federal, que vigiava a ação. Em maio, Andrea, Fred e Mendherson foram presos em Belo Horizonte. Em junho, a Primeira Turma do Supremo aliviou. Substituiu as prisões preventivas por domiciliares e acrescentou a proibição de deixar o país e o monitoramento por tornozeleira. Marco Aurélio, agora, afasta essas restrições.
>> STF quebra os sigilos bancário e fiscal de Aécio Neves
A decisão do ministro é a mais recente e significativa no lento desconstruir da delação da JBS e, consequentemente, das investigações mais fortes da Lava Jato em Brasília. Com ela, o caso de Aécio entra na chamada normalidade processual que, não raro, resulta em absolvições. Foi por esse mesmo carril que o presidente Michel Temer escapuliu. Flagrado em conversa de conteúdo gravíssimo com Joesley e, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), beneficiário do dinheiro carregado na mala de rodinhas do ex-deputado Rodrigo Rocha Loures, Temer foi acusado de obstrução da Justiça, organização criminosa e corrupção passiva. Por duas vezes foi salvo pelos deputados federais, imersos em liberação de emendas e promessas de cargos.
Medidas como a de Marco Aurélio e outras tomadas no Supremo tornaram-­se possíveis graças ao desgaste da delação da JBS e do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot. O episódio capital para desmoralizar a delação resultou na entrega de uma nova gravação de Joesley, regada a uísque. Nela, o delator imbricava sexo e corrupção, constrangendo Janot e jogando dúvida sobre a lisura do acordo de colaboração. Num ato que se provou decisivo, Janot convocou uma coletiva e anunciou ao país que os áudios apresentados pelos delatores punham a idoneidade de ministros do Supremo em dúvida e indicavam novos crimes cometidos pelos próprios delatores. De uma só vez, Janot destruía a credibilidade dos delatores e, portanto, das provas apresentadas por eles. Politicamente, a delação morria. A morte jurídica era uma questão de tempo.
Antes da trapalhada dos irmãos Batista e de Janot, o Supremo era bem mais rigoroso na Lava Jato
Que o diga o senador Aécio Neves. Ele foi um dos maiores implicados na delação. As provas são fortes. Além da tratativa dos R$ 2 milhões, toda gravada, Joesley diz que pagou propina de R$ 60 milhões em 2014 para Aécio, por meio da emissão de notas fiscais frias a diversas empresas. O empresário acrescenta que comprou o apoio de partidos políticos para a candidatura de Aécio à Presidência. Em troca, Aécio usou o mandato para “beneficiar diretamente interesses do grupo”, ajudando na liberação de créditos de mais de R$ 23 milhões de ICMS para empresas do grupo.
>> Ministro da Indústria recorre contra o envio de áudios de Joesley Batista à Comissão de Ética
Nada disso foi suficiente para o Supremo. A Primeira Turma afastara o senador do cargo e determinara seu recolhimento noturno. O plenário da Corte, com voto decisivo da presidente Cármen Lúcia, decidiu que só os próprios parlamentares poderiam julgar seus pares. O Senado devolveu Aécio ao cargo. Era mais um implicado na delação da JBS que se livrava, apesar da gravidade das provas que a colaboração produziu.
>> Nova planilha da JBS lista 64 políticos e cita Temer
Seja pelos erros cometidos no processo de fechar o acordo, seja por qualquer outra razão, parte dos ministros do Supremo está alterando seu entendimento sobre as investigações da Lava Jato. Políticos e empresários vinham sendo mantidos em prisões cautelares. O ex-senador Gim Argello, por exemplo, está preso desde abril de 2016 – com aval do Supremo. Até a delação da JBS, o Supremo ia progredindo para um tipo de direito mais voltado ao mérito e interessado nas evidências de corrupção levantadas nos inquéritos. Lenta e discretamente, decisões judiciais seguidas vão lasseando esse rigor. E as investigações com malas de dinheiro e ações controladas, produzidas a partir da delação da JBS, não têm resultado em nada. Isso não é pela fragilidade das provas apresentadas pelos delatores. É, sim, uma falha no sistema, na condução sobre como usar essas provas. É o que preocupa agora e daqui para a frente.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Atuação que não deixam dúvidas por que deveremos votar em Felix Mendonça para Deputado Federal. NÚMERO  1234 . Félix Mendonça Júnior Félix Mendonça: Governo Ciro terá como foco o desenvolvimento e combate às desigualdades sociais O deputado Félix Mendonça Júnior (PDT-BA) vê com otimismo a pré-candidatura de Ciro Gomes à Presidência da República. A tendência, segundo ele, é de crescimento do ex-governador do Ceará. “Ciro é o nome mais preparado e, com certeza, a melhor opção entre todos os pré- candidatos. Com a campanha nas Leia mais Movimentos apoiam reivindicação de vaga na chapa de Rui Costa para o PDT na Bahia Neste final de semana, o cenário político baiano ganhou novos contornos após a declaração do presidente estadual do PDT, deputado federal Félix Mendonça Júnior, que reivindicou uma vaga para o partido na chapada majoritária do governador Rui Costa (PT) na eleição de 2018. Apesar de o parlamentar não ter citado Leia mais Câmara aprova, com...
Estudo ‘sem desqualificar religião’ é melhor caminho para combate à intolerância Hédio Silva defende cultura afro no STF / Foto: Jade Coelho / Bahia Notícias Uma atuação preventiva e não repressiva, através da informação e educação, é a chave para o combate ao racismo e intolerância religiosa, que só em 2019 já contabiliza 13 registros na Bahia. Essa é a avaliação do advogado das Culturas Afro-Brasileiras no Supremo Tribunal Federal (STF), Hédio Silva, e da promotora de Justiça e coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Proteção dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação (Gedhdis) do Ministério Público da Bahia (MP-BA), Lívia Vaz. Para Hédio o ódio religioso tem início com a desinformação e passa por um itinerário até chegar a violência, e o poder público tem muitas maneiras de contribuir no combate à intolerância religiosa. "Estímulos [para a violência] são criados socialmente. Da mesma forma que você cria esses estímulos você pode estim...
Lula se frustra com mobilização em seu apoio após os primeiros dias na cadeia O ex-presidente acreditou que faria do local de sua prisão um espaço de resistência política Compartilhar Assine já! SEM JOGO DUPLO Um Lula 3 teria problemas com a direita e com a esquerda (Foto: Nelson Almeida/Afp) O ex-presidente  Lula  pode não estar deprimido, mas está frustrado. Em vários momentos, antes da prisão, ele disse a interlocutores que faria de seu confinamento um espaço de resistência política. Imaginou romarias de políticos nacionais e internacionais, ex-presidentes e ex-primeiros-ministros, representantes de entidades de Direitos Humanos e representantes de movimentos sociais. Agora, sua esperança é ser transferido para São Paulo, onde estão a maioria de seus filhos e as sedes de entidades como a CUT e o MTST.