Força-tarefa rastreia 300 mil empresas criadas para fraudar impostos
Elas funcionam no papel, mas só servem para acumular dívidas bilionárias com o governo e transferir dinheiro para laranjas
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Empresas zumbis não geram renda, empregos ou pagam tributos. Só existem no papel. Combatê-las é difícil. Enquanto o Fisco corre atrás de uma zumbi para cobrar dívidas, uma clone é criada e continua a fazer negócios. O passivo tributário fica para a zumbi. Segundo a Procuradoria, na maior parte dos casos o negócio funciona apenas durante período suficiente para seus donos transferirem o patrimônio para terceiros ou laranjas. Quando os auditores localizam os proprietários, não conseguem executar a dívida porque eles tiveram tempo de se desfazer de seus bens. Os fiscais batem no endereço e não há mais proprietário, funcionários ou bens suficientes para saldar a dívida. Encontram apenas um “esqueleto”, como o prédio da Vila São José.
Nos últimos meses, a Procuradoria da Fazenda desenvolveu estratégias para rastrear as zumbis, por meio de técnicas de cruzamento de informações, antes que os donos se desfaçam do patrimônio. Um poderoso banco de dados está sendo usado para interceptar movimentações patrimoniais atípicas e bloqueá-las antes que os empresários enrolados esvaziem as empresas.
ÉPOCA teve acesso a documentos e relatórios da investigação tocada pelos procuradores da Fazenda Nacional. As operações contam com o apoio até dos serviços de inteligência das Forças Armadas. Robôs virtuais e computadores capazes de processar mais de 1.000 CNPJs por minuto permitiram à força-tarefa fazer o rastreamento de patrimônios e executar dívidas que antes eram dadas como perdidas. Apenas no bairro do Morumbi, em São Paulo, foram identificados dez proprietários de empresas zumbis, com dívida somada superior a R$ 1 bilhão.
Em uma mesma sala comercial no bairro Jardim Armação, em Salvador, os procuradores mapearam três empresas do deputado João Gualberto Vasconcelos, do PSDB da Bahia. São negócios variados, de fabricação de produtos de limpeza, administração de imóveis e comércio atacadista. Uma delas, a Galileo, deve R$ 4,3 milhões ao Fisco e também está na mira da operação de caça aos zumbis. João Gualberto admite que a Galileo não tem funcionários, que seus ativos foram vendidos e que a empresa, apesar de ativa na Receita, “não opera nada”. “Ela só administra o contencioso”, diz. O deputado atribui a investigação à sua empresa a uma “questão política”. Ele diz que a Galileo atuou por muitos anos no ramo de supermercados e, em 1999, a operação de suas lojas foi vendida para o grupo Walmart. “Aqui na Casa (Câmara dos Deputados) tem muito deputado corrupto, enrolado. Não é o meu caso. Minha empresa é idônea. Todo empresário adora ser governo. Como não tenho rabo preso e voto contra, a gente sofre essas consequências”, diz.
Nos próximos meses, todas as empresas identificadas como zumbis serão notificadas por carta para que possam apresentar contestação no prazo de 15 dias. Se a resposta não for satisfatória, a notificação será realizada por Diário Oficial. A força-tarefa de procuradores federais começou a atuar no início de 2016. Teve de desacelerar as investigações por causa do Programa Especial de Regularização Tributária (Pert). É como se os procuradores tivessem dado uma chance para as zumbis acertarem as contas com o Fisco.
Há um segundo padrão de devedor incluído na força-tarefa da Procuradoria, o do “patrimônio oculto”. São empresas que acumulam patrimônios milionários à custa da sonegação de impostos; depois transferem esses bens para laranjas, o que impede o Fisco de receber a dívida. Só em 2017 os procuradores da força-tarefa conseguiram localizar cerca de R$ 10 bilhões transferidos para laranjas ou aplicados em aviões, iates, obras de arte, imóveis e bens no exterior.
Nessa operação, detectou-se a Expresso Riacho Grande, empresa de transporte de passageiros com sedes em Goiás e Brasília. Logo, a União entrou com uma Ação Cautelar Fiscal, na qual pediu o bloqueio de R$ 140 milhões de bens do grupo pelo sistema que interliga a Justiça, o Banco Central e os bancos. A dívida da empresa soma R$ 148 milhões. Em decisão que permanece em segredo de Justiça, o juiz federal Alexandre Machado Vasconcelos considerou que a Riacho Grande transferiu bens para laranjas e fez “manobras fraudulentas” para blindar o patrimônio do grupo econômico e fugir das execuções fiscais realizadas pela Justiça Federal do Distrito Federal e de Goiás. Segundo o juiz federal, a ação da PGFN “trouxe farto conjunto de provas” que demonstra a transferência de funcionários da Riacho Grande para outras empresas do grupo, alteração do domicílio tributário e substituição dos sócios por laranjas e o “esvaziamento” do patrimônio da empresa.
O advogado Helio Cezar Afonso Rodrigues, que representou a Expresso Riacho Grande, diz que seu cliente “desapareceu” em 2013, depois que o governo do Distrito Federal cancelou suas concessões. “Meu cliente ficou sem receita, a empresa parou de operar, parou de pagar impostos, empregados e advogados. Teve enxurrada de ações trabalhistas”, afirma. “Ele ficou constrangido e deve ter voltado para sua terra natal. Perdi o contato dele, não sei onde se encontra.” ÉPOCA também tentou contato com a Cataguases, por e-mail e dezenas de telefones vinculados à empresa, mas não obteve retorno. Dois advogados que representaram a empresa em ações relativas a dívidas com a Receita não responderam. Zumbis são mesmo difíceis de encontrar por aí.
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