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Economia
NECESSIDADE Anaildes no Centro de apoio ao Trabalhador.Ela perdeu o emprego fixo e agora fecha a conta como cabeleleira sem carteira assinada (Foto: Christ/ÉPOCA)
Demitida de uma lanchonete em que trabalhava como garçonete, atendente e cozinheira, a baiana Anaildes Lima da Silva, de 39 anos, teve de “se virar nos 30” – como ela mesma diz – para continuar pagando suas contas em dia. Só o aluguel da casa onde mora com o marido, pedreiro, e os três filhos, em Ferraz de Vasconcelos, município de São Paulo, gira em torno de R$ 1.200. Há um ano e três meses, Anaildes perdeu o emprego com registro em carteira assinada. Desde abril deste ano, é cabeleireira em um salão de beleza no bairro do Jabaquara, desta vez, sem registro. Lá, trabalha cerca de 12 horas diárias, de segunda-feira a sábado, e eventualmente aos domingos, para garantir uma renda mensal de R$ 2 mil.
A carga horária, exaustiva, é sentida pelos filhos Isaque, de 15 anos, Sayara Kelly, de 13, e Larissa Vitória, de 8. “Eles me cobram porque eu não fico muito tempo em casa”, afirma. A resposta, conta, é quase automática: “Se eu não fizer isso, a mãe não tem dinheiro para trazer para dentro de casa”. Para manter o orçamento familiar equilibrado, ela afirma  que a solução é cortar gastos, comprar só o essencial e planejar as despesas futuras na ponta do lápis. “Uma vez ou outra eu tenho o privilégio de levar meus filhos no Habib’s ou no McDonald’s, mas shopping nunca! Compras nunca!”, diz. “Não tenho como chegar agora em casa e dar um presente para eles no final de ano”, lamenta, com os olhos marejados.
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Há oito meses na informalidade, Anaildes diz que preferiria ser registrada a viver na volatilidade dos bicos. A falta de oportunidades de trabalho formal e de qualificação profissional (ela acabou de complementar o 2º ano do ensino médio) dificulta os planos da baiana. Para não ficar desempregada, a saída mais rápida e simples foi o emprego informal. Ao longo do ano, com o país saindo lentamente da crise, outros milhares de brasileiros fizeram o mesmo. Foram eles que ajudaram a aliviar a taxa de desemprego, que passou de 13,7% no começo do ano para 12,2%, segundo os últimos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Entre os empregados no terceiro trimestre, só 28% foram absorvidos pelo mercado formal
Na classificação do instituto, o conjunto de trabalhadores informais é formado por duas categorias: os do setor privado sem carteira e os chamados “por conta própria”, via de regra, mais escolarizados e com remuneração média superior. Dos 2,3 milhões de vagas criadas no país ao longo do ano, 75%, ou 1,7 milhão, são informais, estima o IBGE. São brasileiros que perderam o emprego durante a pior recessão da história, entre 2015 e 2016, que deixaram de receber benefícios, como o seguro-desemprego, ou que se viram obrigados a procurar uma ocupação pela primeira vez na vida. “Muitos são jovens que, durante os anos de bonança, estavam estudando, mas que, depois da crise, tiveram de ajudar a custear os gastos da família”, diz Paulo Paiva, ex-ministro do Trabalho e professor da Fundação Dom Cabral (FDC).
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No terceiro trimestre do ano, entre os trabalhadores desempregados que conseguiram novas ocupações, 42% foram incorporados pelo mercado informal, 29% tornaram-se conta própria e 28% foram absorvidos pelo mercado formal. Para Sergio Firpo, professor do Insper, a reação mais rápida do mercado informal é estrutural, sobretudo nos setores mais dinâmicos, como serviços e comércio. “É como um colchão, uma etapa intermediária [entre o desemprego e o emprego formal]. Quem está desempregado transita mais facilmente para um emprego sem carteira. Em paralelo, temos um empregador mais inseguro, em meio a uma retomada que não é supervigorosa”, explica. Outra variável importante, segundo ele, é a reforma trabalhista, que entrou em vigor em 11 de novembro. Muitos empregadores optaram por esperar a nova legislação passar a valer, junto com as novas modalidades de contratação, para voltar a empregar.
>> Uma terra de extrema desigualdade
“As empresas ainda têm dúvidas sobre a força e a sustentabilidade da retomada. Cautelosas, elas tendem a contratar informalmente, pois o custo de demissão no país é muito alto”, diz José Márcio Camargo, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Mas, segundo Camargo, o fato de os trabalhadores por conta própria terem aumentado pode sinalizar um aumento de demanda – um sintoma de que a economia está reagindo. “Este trabalhador costuma ter um perfil de empresário. Esse tipo de trabalhador só aumenta quando há demanda.”
O desemprego cai...  (Foto: Época)
É o caso do paulistano Ronaldo Luiz da Fonseca, de 28 anos, que se autodefine como um “rato de sebo”. Formado em administração de empresas, ele foi demitido em janeiro deste ano de uma empresa de e-commerce de bebidas. Cansado de receber negativas em entrevistas de emprego, resolveu aliar o hobby da leitura ao trabalho. Atualmente, vende os livros que acumula em uma estante de madeira ao lado do sofá de sua casa, um apartamento de um quarto na Rua Frei Caneca, na região central de São Paulo, que divide com a namorada. Por sugestão de um amigo, além da venda de livros, ele passou a investir em máquinas de bolinhas “pula-pula”, corriqueiramente encontradas em lojas de conveniências, supermercados e açougues. Investiu R$ 4 mil na compra de nove máquinas. “Não me dá rios de dinheiro, mas ajuda a pagar parte das contas.”
A maior parte de quem migra para a informalidade agora tem ensino médio completo ou superior
A situação de Ronaldo é reforçada por um estudo divulgado na quinta-feira (14) pelo  Ipea. O levantamento chamou a atenção para uma mudança no perfil educacional dos trabalhadores “conta própria”. Em 2012, 46% dos empregados que transitavam do setor formal para esse grupo tinham nível médio completo ou superior. Em 2017, esse percentual subiu para 64%. Outra conclusão do instituto de pesquisa é que o mercado informal não é só o que mais tem contratado, mas também o que mais tem demitido, implicando alto grau de rotatividade.
Quem tem se aproveitado da fragilidade do cenário econômico são algumas empresas que ajudam a conectar pessoas com prestadores de serviços gerais. A plataforma Bicos, inaugurada em 2015, teve um incremento de 20 mil usuários neste ano, totalizando atuais 90 mil. Um dos serviços mais solicitados é o de diarista, o que atraiu a paulistana Kelly Bebiano, de 48 anos. “Neste semestre, tive uma queda na procura. Então, pesquisei na internet uma forma de preencher as janelas que apareceram”, diz. O fundador da Bicos, Kleber Costa, ressalta que o estímulo da empresa é sempre pela formalização, sobretudo para se tornarem microempreendedores individuais (MEIs). Outro exemplo é o aplicativo FixApp. Com ele, você pode dizer que quer um tipo de serviço e receber vários orçamentos de profissionais cadastrados e treinados pela empresa. “Joguei no Google as palavras ‘marido de aluguel’ e ‘aplicativo’ e achei a Fix, onde trabalho como eletricista atualmente”, conta Ricardo dos Santos.
...mas a recuperação é frágil (Foto: Época)
O dinamismo do mercado informal, motor da queda do desemprego, deve continuar até que as bases da retomada econômica se mostrem mais sólidas. Por ora, essa melhora de cenário tem sido puxada pelo consumo das famílias, sobretudo nos setores de comércio e serviços, onde concentram os trabalhadores sem carteira assinada. “Não é um crescimento catalisado pelo investimento, por obras de infraestrutura ou grandes construções”, diz Maria Andréia Parente Lameiras, pesquisadora do Ipea. “O que se espera de uma economia que cresce com bases sólidas é um aumento do emprego formal relativamente às demais categorias. Ou mesmo que tem um trabalhador na informalidade que contribua para a Previdência”, alerta.
O adiamento da votação da reforma da Previdência lança incertezas sobre o momento da retomada
Por enquanto, o que se vê é uma reação muito tímida do emprego formal. Nos últimos 12 meses até outubro, o país demitiu, mais do que contratou, 294 mil trabalhadores, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). O saldo negativo tem sido menos pior mês a mês. No acumulado até setembro, houve um fechamento de 466 mil vagas formais. O desempenho, no entanto, ainda é modesto para uma economia que se pretende estável, sobretudo se considerarmos o potencial de mão de obra disponível. Ao analisar a taxa de subocupação (que engloba a força de trabalho potencial, que poderia, mas não trabalha, e os trabalhadores por insuficiência de horas), o país soma um recorde de 26,7 milhões de pessoas, mais do que o dobro do total de desempregados.
O adiamento da votação da reforma da Previdência para o ano que vem, confirmado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, lança incertezas sobre o momento da retomada, com prejuízos potenciais para o futuro do emprego. Como o mercado de trabalho reage com certa defasagem, o impacto não deve ser sofrido no ano que vem. Camargo, da PUC-Rio, acredita que a atual taxa de desocupação, em 12,2%, deverá fechar 2017 em 11,5% e o ano que vem entre 9% e 9,5%. Também prevê um aumento da formalização, à medida que o Judiciário e o setor produtivo incorporem de vez a reforma trabalhista. “Muito provavelmente vamos ter uma quantidade enorme de trabalhadores temporários, ou intermitentes”, prevê. Para Paiva, o principal legado da reforma será de aumentar a produtividade e a eficiência do mercado de trabalho. “Emprego só vem com crescimento.”

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