Economia
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>> Como sua vida vai piorar se a Previdência ficar sem reforma
Há oito meses na informalidade, Anaildes diz que preferiria ser registrada a viver na volatilidade dos bicos. A falta de oportunidades de trabalho formal e de qualificação profissional (ela acabou de complementar o 2º ano do ensino médio) dificulta os planos da baiana. Para não ficar desempregada, a saída mais rápida e simples foi o emprego informal. Ao longo do ano, com o país saindo lentamente da crise, outros milhares de brasileiros fizeram o mesmo. Foram eles que ajudaram a aliviar a taxa de desemprego, que passou de 13,7% no começo do ano para 12,2%, segundo os últimos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Na classificação do instituto, o conjunto de trabalhadores informais é formado por duas categorias: os do setor privado sem carteira e os chamados “por conta própria”, via de regra, mais escolarizados e com remuneração média superior. Dos 2,3 milhões de vagas criadas no país ao longo do ano, 75%, ou 1,7 milhão, são informais, estima o IBGE. São brasileiros que perderam o emprego durante a pior recessão da história, entre 2015 e 2016, que deixaram de receber benefícios, como o seguro-desemprego, ou que se viram obrigados a procurar uma ocupação pela primeira vez na vida. “Muitos são jovens que, durante os anos de bonança, estavam estudando, mas que, depois da crise, tiveram de ajudar a custear os gastos da família”, diz Paulo Paiva, ex-ministro do Trabalho e professor da Fundação Dom Cabral (FDC).
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No terceiro trimestre do ano, entre os trabalhadores desempregados que conseguiram novas ocupações, 42% foram incorporados pelo mercado informal, 29% tornaram-se conta própria e 28% foram absorvidos pelo mercado formal. Para Sergio Firpo, professor do Insper, a reação mais rápida do mercado informal é estrutural, sobretudo nos setores mais dinâmicos, como serviços e comércio. “É como um colchão, uma etapa intermediária [entre o desemprego e o emprego formal]. Quem está desempregado transita mais facilmente para um emprego sem carteira. Em paralelo, temos um empregador mais inseguro, em meio a uma retomada que não é supervigorosa”, explica. Outra variável importante, segundo ele, é a reforma trabalhista, que entrou em vigor em 11 de novembro. Muitos empregadores optaram por esperar a nova legislação passar a valer, junto com as novas modalidades de contratação, para voltar a empregar.
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“As empresas ainda têm dúvidas sobre a força e a sustentabilidade da retomada. Cautelosas, elas tendem a contratar informalmente, pois o custo de demissão no país é muito alto”, diz José Márcio Camargo, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Mas, segundo Camargo, o fato de os trabalhadores por conta própria terem aumentado pode sinalizar um aumento de demanda – um sintoma de que a economia está reagindo. “Este trabalhador costuma ter um perfil de empresário. Esse tipo de trabalhador só aumenta quando há demanda.”
A situação de Ronaldo é reforçada por um estudo divulgado na quinta-feira (14) pelo Ipea. O levantamento chamou a atenção para uma mudança no perfil educacional dos trabalhadores “conta própria”. Em 2012, 46% dos empregados que transitavam do setor formal para esse grupo tinham nível médio completo ou superior. Em 2017, esse percentual subiu para 64%. Outra conclusão do instituto de pesquisa é que o mercado informal não é só o que mais tem contratado, mas também o que mais tem demitido, implicando alto grau de rotatividade.
Quem tem se aproveitado da fragilidade do cenário econômico são algumas empresas que ajudam a conectar pessoas com prestadores de serviços gerais. A plataforma Bicos, inaugurada em 2015, teve um incremento de 20 mil usuários neste ano, totalizando atuais 90 mil. Um dos serviços mais solicitados é o de diarista, o que atraiu a paulistana Kelly Bebiano, de 48 anos. “Neste semestre, tive uma queda na procura. Então, pesquisei na internet uma forma de preencher as janelas que apareceram”, diz. O fundador da Bicos, Kleber Costa, ressalta que o estímulo da empresa é sempre pela formalização, sobretudo para se tornarem microempreendedores individuais (MEIs). Outro exemplo é o aplicativo FixApp. Com ele, você pode dizer que quer um tipo de serviço e receber vários orçamentos de profissionais cadastrados e treinados pela empresa. “Joguei no Google as palavras ‘marido de aluguel’ e ‘aplicativo’ e achei a Fix, onde trabalho como eletricista atualmente”, conta Ricardo dos Santos.
Por enquanto, o que se vê é uma reação muito tímida do emprego formal. Nos últimos 12 meses até outubro, o país demitiu, mais do que contratou, 294 mil trabalhadores, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). O saldo negativo tem sido menos pior mês a mês. No acumulado até setembro, houve um fechamento de 466 mil vagas formais. O desempenho, no entanto, ainda é modesto para uma economia que se pretende estável, sobretudo se considerarmos o potencial de mão de obra disponível. Ao analisar a taxa de subocupação (que engloba a força de trabalho potencial, que poderia, mas não trabalha, e os trabalhadores por insuficiência de horas), o país soma um recorde de 26,7 milhões de pessoas, mais do que o dobro do total de desempregados.
O adiamento da votação da reforma da Previdência para o ano que vem, confirmado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, lança incertezas sobre o momento da retomada, com prejuízos potenciais para o futuro do emprego. Como o mercado de trabalho reage com certa defasagem, o impacto não deve ser sofrido no ano que vem. Camargo, da PUC-Rio, acredita que a atual taxa de desocupação, em 12,2%, deverá fechar 2017 em 11,5% e o ano que vem entre 9% e 9,5%. Também prevê um aumento da formalização, à medida que o Judiciário e o setor produtivo incorporem de vez a reforma trabalhista. “Muito provavelmente vamos ter uma quantidade enorme de trabalhadores temporários, ou intermitentes”, prevê. Para Paiva, o principal legado da reforma será de aumentar a produtividade e a eficiência do mercado de trabalho. “Emprego só vem com crescimento.”
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