Pular para o conteúdo principal

Blog do Planeta

MP 795: 1 trilhão de motivos para ser contra

MP 795: 1 trilhão de motivos para ser contra

A proposta que o Planalto e seus aliados tentam aprovar estende de forma inédita as isenções fiscais já bastante generosas para a indústria do petróleo


Operação da Petrobrás no pré-sal.  (Foto: Divulgação)
Até mesmo para um governo orgulhoso de sua impopularidade, como o de Michel Temer, a Medida Provisória 795 é difícil de entender. A proposta que o Planalto e seus aliados tentam aprovar a toque de caixa no Congresso não faz nada menos do que estender de forma inédita as isenções fiscais já bastante generosas para a indústria do petróleo, levando o país a uma perda de arrecadação de centenas de bilhões de reais. Isso no exato momento em que o presidente se esforça para convencer a população de que tirar dinheiro de aposentados é uma medida necessária para “botar o Brasil nos trilhos”.
>> Por que o petróleo virou o combustível da corrupção

A chamada “MP do Trilhão” passou na Câmara na madrugada do último dia 6 e seguiu para o Senado, onde deve ser votada nos próximos dias. É um presente de Natal para o setor fóssil de fazer inveja a Donald Trump: até 2040, todo o dinheiro investido em produção de óleo poderá ser deduzido da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido e do Imposto de Renda de pessoa jurídica; além disso, a importação de equipamentos para o setor passa a ser livre de impostos. A renúncia fiscal total em 25 anos – seis mandatos presidenciais – depende das premissas adotadas no cálculo. As estimativas mais conservadoras falam em cerca de R$ 300 bilhões, mas, como ela não afeta somente os campos do pré-sal, pode ultrapassar R$ 1 trilhão.

Seja qual for o montante final, trata-se de uma transferência de renda do contribuinte brasileiro para empresas privadas como “nunca antes na história deste país”. Para efeito de comparação, o governo quer economizar em dez anos R$ 480 bilhões com a polêmica reforma da Previdência.
>> O petróleo e a poluição marinha

Em duas canetadas, as multinacionais petroleiras, que vêm enfrentando sérios problemas para expandir seu portfólio em diversos países do mundo, ganharam as reservas (com a decisão anterior do governo de quebrar o monopólio da Petrobras no pré-sal) e os incentivos tributários para vir para o Brasil.

Não é à toa que o país vem sendo propagandeado como o novo darling do setor no mundo, com promessas de investimentos fabulosos e receitas idem.

Tem-se, então, o governo brasileiro escolhendo a dedo um setor da economia para brindá-lo com centenas de bilhões de reais do contribuinte diante da promessa de um pote de ouro do outro lado. Se você acha que já viu esse filme antes, é porque viu: a lógica usada por Michel Temer, Henrique Meirelles e a turma do laissez-faire instalada no governo federal é a mesma aplicada pela “intervencionista” Dilma Rousseff em sua política de desonerações. Como todos sabemos, o que havia dentro do pote na época não era ouro, mas algo com um cheiro bem diferente – os setores beneficiados demitiram e cortaram investimentos, e o fosso fiscal nacional aumentou.

Uma das diferenças entre um caso e outro é que, na época, desconfiávamos de que uma hora o dinheiro acabaria; agora temos certeza de que ele já acabou. Segundo uma análise da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara, somente entre 2018 o governo deixará de arrecadar, caso a MP 795 seja aprovada, R$ 16,37 bilhões. Considerando que o Executivo recentemente precisou pedir autorização ao Congresso para aumentar o limite de déficit em R$ 20 bilhões na Proposta de Lei Orçamentária para o ano que vem, os consultores da Câmara expressaram “dúvidas sobre a capacidade do erário em absorver mais esse pacote de incentivos sem que isso venha ensejar futuras alterações nas metas de resultado fiscal”.

Será que o setor de óleo e gás precisa mesmo de tanto mimo? Em entrevista recente a Roberto D’Ávila, o presidente da Petrobras, Pedro Parente, afirmou que o pré-sal é “uma das três melhores áreas do mundo” em termos de custo de produção, a US$ 7 o barril. Se é tão barato e mesmo assim precisa de incentivos tão grandes é porque, numa hipótese extremamente benevolente, o governo gostaria apenas de fazer um “saldão” desse óleo e vê-lo fora do subsolo o mais rápido possível. E isso nos traz a outro problema insanável da MP do Trilhão: além de uma bomba fiscal, ela é uma bomba climática.

O Acordo do Clima de Paris, de 2015, estabelece que o mundo precisa limitar o aquecimento global bem abaixo de 2 graus célsius e fazer esforços para limitá-lo em 1,5 grau. Esses dois números botaram uma etiqueta de validade na indústria do petróleo no mundo, já que, para cumprir qualquer uma dessas metas, a maior parte do óleo do planeta precisará permanecer inexplorada – o que significa abandonar esse combustível antes do meio do século. O presidente da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Décio Oddone, mostrou que entende bem essa equação ao afirmar num discurso em setembro: “Vai sobrar óleo no mundo. Esperemos que não seja o nosso”.

Ocorre que, se o “nosso” petróleo sair todo do chão, boa parte da humanidade está condenada a cozinhar com as mudanças do clima. O pré-sal contém cerca de 75 bilhões de toneladas de gás carbônico. Isso corresponde a 18% de tudo o que a civilização ainda pode emitir se quiser estabilizar o aquecimento global em 1,5 grau. Trocando em miúdos, o Brasil pode, sozinho, mandar para o vinagre a chance de evitar os piores efeitos do aquecimento da Terra.

Isso, claro, se houver alguém para comprar o petróleo do pré-sal no futuro. A revolução dos carros elétricos começa a acelerar no mundo todo, o que já fez alguns analistas projetar um pico na demanda mundial por óleo em 2020 e uma inversão na frota global em 2035, com mais elétricos do que carros a combustão interna nas ruas. Bancos na Europa já vêm advertindo há dois anos contra o risco de “encalhe” de ativos fósseis. Mais um movimento nesse sentido foi dado em novembro, quando o fundo soberano da Noruega – montado, veja só, com royalties de petróleo – anunciou que fará um desinvestimento maciço em empresas de óleo e gás.

Cercado por todos os lados, o capital petroleiro tende a tentar ganhar sobrevida se refugiando em países com boas reservas, baixo risco e políticos dispostos a entregar o patrimônio sem pensar em seus cidadãos. O Brasil reúne esses elementos como poucos. Ao estender o tapete vermelho do estímulo fiscal às petroleiras, quiçá esperando que elas saibam demonstrar sua gratidão, o governo Temer torna o país uma destinação barata para a indústria do petróleo curtir seus últimos anos de farra.

O problema (mais um) é que, se os analistas estiverem certos, as isenções oferecidas pelo Brasil podem durar mais tempo do que a vida do setor. Isso significa que os investimentos e empregos prometidos em troca de renúncia fiscal, poluição e potenciais acidentes nunca virão. Como sói acontecer com países de Terceiro Mundo, uma casta se beneficiará de uma indústria decadente, que deixará em alguns anos no país miséria generalizada e um monte de ferro velho boiando no mar. Como o petróleo do pré-sal, a MP 795 estaria melhor se permanecesse enterrada.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Procurador do DF envia à PGR suspeitas sobre Jair Bolsonaro por improbidade e peculato Representação se baseia na suspeita de ex-assessora do presidente era 'funcionária fantasma'. Procuradora-geral da República vai analisar se pede abertura de inquérito para apurar. Por Mariana Oliveira, TV Globo  — Brasília O presidente Jair Bolsonaro — Foto: Isac Nóbrega/PR O procurador da República do Distrito Federal Carlos Henrique Martins Lima enviou à Procuradoria Geral da República representações que apontam suspeita do crime de peculato (desvio de dinheiro público) e de improbidade administrativa em relação ao presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL). A representação se baseia na suspeita de que Nathália Queiroz, ex-assessora parlamentar de Bolsonaro entre 2007 e 2016, período em que o presidente era deputado federal, tinha registro de frequência integral no gabinete da Câmara dos Deputados  enquanto trabalhava em horário comerci
Atuação que não deixam dúvidas por que deveremos votar em Felix Mendonça para Deputado Federal. NÚMERO  1234 . Félix Mendonça Júnior Félix Mendonça: Governo Ciro terá como foco o desenvolvimento e combate às desigualdades sociais O deputado Félix Mendonça Júnior (PDT-BA) vê com otimismo a pré-candidatura de Ciro Gomes à Presidência da República. A tendência, segundo ele, é de crescimento do ex-governador do Ceará. “Ciro é o nome mais preparado e, com certeza, a melhor opção entre todos os pré- candidatos. Com a campanha nas Leia mais Movimentos apoiam reivindicação de vaga na chapa de Rui Costa para o PDT na Bahia Neste final de semana, o cenário político baiano ganhou novos contornos após a declaração do presidente estadual do PDT, deputado federal Félix Mendonça Júnior, que reivindicou uma vaga para o partido na chapada majoritária do governador Rui Costa (PT) na eleição de 2018. Apesar de o parlamentar não ter citado Leia mais Câmara aprova, com par
Estudo ‘sem desqualificar religião’ é melhor caminho para combate à intolerância Hédio Silva defende cultura afro no STF / Foto: Jade Coelho / Bahia Notícias Uma atuação preventiva e não repressiva, através da informação e educação, é a chave para o combate ao racismo e intolerância religiosa, que só em 2019 já contabiliza 13 registros na Bahia. Essa é a avaliação do advogado das Culturas Afro-Brasileiras no Supremo Tribunal Federal (STF), Hédio Silva, e da promotora de Justiça e coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Proteção dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação (Gedhdis) do Ministério Público da Bahia (MP-BA), Lívia Vaz. Para Hédio o ódio religioso tem início com a desinformação e passa por um itinerário até chegar a violência, e o poder público tem muitas maneiras de contribuir no combate à intolerância religiosa. "Estímulos [para a violência] são criados socialmente. Da mesma forma que você cria esses estímulos você pode estimular