Guedes descontrolado e opção militar na Casa Civil testam tática de isolamento de Bolsonaro
BRASIL
Após um começo de ano relativamente modorrento na política, o governo Jair Bolsonaro enfim entrou em 2020 arriscando uma aposta dobrada no que se pode chamar de isolamento de resultados.
A tática ficou clara após a aprovação da reforma da Previdência, em meados do ano passado. Ela contém dois vetores: a presença do hiperativo Paulo Guedes como garoto-propaganda do reformismo para a elite econômica e a incúria proposital no trato com o Congresso.
Vinha dando certo. Bolsonaro pode ser o presidente mais mal avaliado da história recente nesta etapa do mandato, mas tem um estável terço do eleitorado consigo, registra avanço entre áreas antes fechadas ao bolsonarismo e ainda não vê adversários com viabilidade comprovada na praça.
Logrou tal feito contando com um Congresso que fez avançar uma agenda que o mercado quer crer ser responsabilidade de Guedes, mas é de Rodrigo Maia (DEM-RJ). Isso com o presidente tratando o Parlamento aos chutes, cumprindo sua promessa eleitoral de evitar o toma-lá-dá-cá tradicional e agradando assim sua audiência.
Com a intervenção militar na Casa Civil, para usar um híbrido de oximoro e chiste circunstancial, Bolsonaro sinaliza que pretende ver a fórmula dobrada neste ano.
O general Walter Braga Netto é considerado por colegas um homem competente, “no-nonsense” como diriam os americanos, o que já o diferencia de seu antecessor e de tantos outros membros do governo.
Mas ele não estará lá para fazer articulação política, e sim para tentar arrumar a bagunça gerencial do governo. Será auxiliado por outro militar com quatro estrelas no uniforme, o almirante Flávio Rocha, na tarefa.
A articulação política seguirá manca, à exceção de um limitado balcão coordenado pelo cada vez mais influente general Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo).
O alinhamento dele com Fernando Azevedo (Defesa) e Braga Netto será um dos esteios do governo neste ano, para desgosto e alegria de muitos militares da ativa. A depender do resultado, claro.
Até aí, jogo que segue, não fosse o fato de que o governo vem apanhando do Congresso desde a volta do recesso. Mais especificamente, sofre reveses na sua incensada agenda econômica: os recuos anunciados na reforma administrativa e na PEC da desvinculação dos fundos falam por si, assim como as previstas limitações à capacidade do governo de contingenciar gastos.
Em ano eleitoral, quando cerca de 15% dos deputados disputam prefeituras e todos precisam cuidar de seus quintais, qualquer coisa que possa lhes ser pendurada no pescoço como “chacina social” é alvo de desconfiança. Isso tudo eleva, consequentemente, os riscos do populismo fiscal de um Congresso inconsequente.
Neste ponto entra em conjunção com o cenário o descontrole verbal de Paulo Guedes. Ele nunca foi conhecido por sua habilidade política, mas a frase sobre empregadas indo à Disneylândia logo após chamar servidores de parasitas custaria a cabeça de qualquer autoridade na civilização almejada pelo ministro brasileiro.
O Congresso sente cheiro de sangue. Se já não auferia grandes vantagens por ser sócio do bolsonarismo, não jogará contra sua péssima imagem passando pano para preconceito de classe -não há eufemismo politicamente palatável, como havia no caso dos parasitas, para o que Guedes disse.
Noves fora isso, o impacto do dólar alto na classe média que apoiou decisivamente Bolsonaro em 2018 é grande. Não são só as “empregadas domésticas” que vão à Disney, afinal.
Além disso, Bolsonaro tem acumulado fracassos gerenciais importantes, como o fiasco do Enem, sem citar as decantadas questões de imagem externa negativa e seus impactos em investimentos.
Para completar, Maia está em seu ano final como o imperador legislativo do país, secundado pelo senador Davi Alcolumbre (DEM-AP). Precisa definir o caminho a seguir até 2022, hoje com Luciano Huck no plano A e o governador João Doria (PSDB-SP), no B.
Nem tudo é negativo para o presidente. Quão mais sólida a recuperação econômica, menor será o ímpeto de Maia e dos parlamentares de desafiá-lo, em nome de uma acomodação útil a todos. Bolsonaro também segue com o radar atento a temas populistas e populares, como a questão do ICMS dos combustíveis.
Além disso, ele mantém viva a militância com sua ração diária de agenda retrógrada, polêmicas vazias e ataques a pilares democráticos. A eficiência do Congresso e do Judiciário em contrabalançar o que lhes diz respeito está provada até aqui, mas não se espera nenhuma inflexão retórica do Planalto.
A questão é que essa combinação de fatores, em especial o econômico, é volátil. O cenário ainda não indica rupturas, mas sim que o isolamento de resultados de Bolsonaro será cada vez mais posto à prova.
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