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Battisti falava em buscar abrigo numa embaixada, afirma mãe de seu filho
Foto: Marcello Casal/Arquivo Agência Brasil
Para a professora Priscila Luana Pereira, 33, o italiano Cesare Battisti, 64, não é o terrorista cruel descrito por seus conterrâneos no país europeu, onde foi condenado pelo assassinato de quatro pessoas na década de 1970.

"É pacífico, tranquilo, amoroso, simples, um paizão", diz à Folha de S.Paulo a brasileira, que é mãe do filho caçula dele, de cinco anos, e manteve com Battisti um relacionamento de idas e vindas entre 2012 e 2017.

Priscila e o menino, que moram em São José do Rio Preto (a 441 km da capital), estão no centro da pendenga diplomática entre o Brasil -país aonde Battisti chegou em 2004- e a Itália -que requer sua extradição para o cumprimento da pena de prisão perpétua.

O argumento de que o garoto depende econômica e emocionalmente do pai, somado ao fato de que o italiano criou raízes em solo brasileiro, é usado pelos advogados para tentar evitar sua repatriação. Mas nada disso adiantou.

No dia 13 deste mês, o ministro Luiz Fux, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou a prisão de Battisti para fins de extradição. Na decisão, Fux afirmou que a existência do filho não é justificativa para segurar o pai no país.

Nos anos 1970, Battisti aderiu ao grupo de extrema esquerda PAC (Proletários Armados pelo Comunismo). Ele foi condenado por quatro assassinatos ocorridos entre 1977 e 1979: o do agente penitenciário Antonio Santoro, o do joalheiro Pierluigi Torregiani, o do açougueiro Lino Sabadin e o do agente policial Andrea Campagna. Battisti sempre negou os crimes.

Sem encontrar o italiano, a Polícia Federal o declarou foragido no dia seguinte ao ato do STF, mesma data em que Michel Temer autorizou sua extradição. Nos últimos dias, o paradeiro dele segue desconhecido, e a vida de Priscila e do filho (ela pediu que o nome da criança não fosse divulgado) ganhou ares de perseguição policial.

"Eles vão matar o meu pai?", diz a professora, repetindo a pergunta que o garoto fez quando viu agentes da PF fazendo buscas na casa deles. "Eu digo a ele que o pai está sendo procurado porque sabe de uma história e eles querem que ele conte", afirma ela.

Segundo Priscila, o menino está desconfiado com as movimentações, mas não sabe detalhes porque eles não têm TV em casa. "Estou falando que ele [Battisti] se mudou. Tento fazer com que tudo seja o menos traumático possível", declara.

E onde ele está? Fugiu do país? "Olha, eu não faço ideia. Não faço ideia mesmo", responde ela à reportagem. É o mesmo discurso de amigos próximos e da defesa -que diz não ter contato com o cliente desde a ordem de prisão.

Priscila afirma que esteve com o ex-companheiro pela última vez em outubro, em Cananeia, no litoral paulista, onde ele vivia nos últimos anos. Segundo ela, Battisti andava preocupado. Pensava em ir para alguma embaixada e pedir asilo político. "Não [falava em fugir]. Ele estava cogitando estar numa embaixada que fosse amiga. Mas não sei de que país seria."

Beneficiado por uma decisão do ex-presidente Lula (PT), que em 2010 lhe deu permissão de ficar no Brasil, o estrangeiro passou a enfrentar novamente o risco de extradição após a chegada de Michel Temer (MDB) ao poder. Na campanha, Jair Bolsonaro (PSL) prometeu devolvê-lo se fosse eleito. Vitorioso, reiterou diversas vezes a intenção.

"A situação política é desfavorável. Só que ele não pode ficar sujeito a isso. Troca-se o governo, troca-se o presidente, e ele paga?", diz Priscila. Boa parte do que sabe sobre a situação jurídica de Battisti a educadora aprendeu com o próprio ex-militante de extrema esquerda. "Ele é um injustiçado. Não acredito que seja culpado. Ele nunca confessou nenhum crime. Ele assumiu conspiração [na organização], mas morte de sangue, eu não acredito. Não acredito que tenha cometido [assassinatos]."

Priscila conheceu o europeu em 2012, em uma viagem para Cananeia. Ambos moravam na capital paulista, mas estavam na cidade para um feriado. O grupo da jovem se hospedou em uma casa que pertence ao dirigente sindical Magno de Carvalho, amigo do italiano. Battisti depois passaria a morar de favor em outro endereço de Magno na cidade. Saiu do imóvel há alguns meses para uma casa própria, também no município.

De volta à capital, os dois começaram a se encontrar. Até que foram morar juntos e ela engravidou. Quando o bebê nasceu, em novembro de 2013, já não estavam mais juntos. A mãe retornou a Rio Preto, para ficar perto da família.

"Quando meu filho tinha dois anos, fizemos um exame de DNA. Ele [Battisti] não acreditava muito em mim, enfim... Dizia: 'não é possível que a essa altura da vida eu vou ter um filho'." O italiano tem outras duas filhas, adultas. Elas vivem na França, país onde ele se exilou nos anos 1990.

Battisti reconheceu a paternidade do caçula em 2015, mesmo ano em que se casou com outra brasileira, Joice Passos dos Santos. "Não estávamos mais juntos. Tivemos desentendimentos. Mas ele sempre pagou pensão", diz Priscila.

O pagamento mais recente caiu na conta no início de dezembro, segundo ela. "E não sei agora como vai ficar." O pai deposita R$ 350 por mês, mas também dá roupa, calçado, brinquedo. "A renda dele, pelo que sei, vem dos direitos autorais dos livros que ele publicou. O irmão dele da Itália também manda um dinheiro."

O casamento com Joice durou pouco. No início de 2017, o italiano reatou com Priscila. O casal passou então a morar em Rio Preto com o filho. Mas aí veio, de acordo com a professora, a perseguição da imprensa local e de vizinhos. "O [repórter do] jornal estava todo dia na porta, não deixava a gente ter uma vida normal, tranquila. E começaram as ameaças. Pessoas escreviam na internet que iam jogar bomba, pedra. Fiquei com medo e saí de casa com meu filho. E o Cesare voltou para Cananeia. Ficou impossível."

Diante dos percalços, o relacionamento amoroso chegou ao fim. Mas Priscila, que hoje tem outro companheiro, continuou levando o filho a Cananeia para ficar com o pai. "O Cesare gosta de dormir com ele, cozinhar, contar histórias."

Como professora de ensino fundamental na rede particular, ela recebe R$ 1.700. "Pago o aluguel, as contas, mantenho uma criança, lazer." Embora a pensão alimentícia ajude o filho, a dependência maior é a afetiva, na opinião da mãe.

Em outubro de 2017, Priscila mandou uma carta de próprio punho à então presidente do STF, Cármen Lúcia, fazendo um apelo para que o ex-companheiro ficasse no Brasil e tivesse "o direito de continuar exercendo sua paternidade de maneira integral".

Nunca houve resposta, segundo a autora. "Cresci sem pai e sei que a figura paterna é insubstituível", diz. "Meu filho entrou de férias agora e, para ele, era uma coisa automática ir para a casa do pai. Aí ele começou a me perguntar quando vai para Cananeia, quando vai ficar na casa do pai."

"Não sei bem o que esperar como desfecho", ela segue. "É óbvio que não quero que o Cesare seja deportado ou preso. Mas é muito difícil, na situação política que a gente vive hoje, pensar num final feliz, né?"

Priscila endossa a visão do ex-companheiro de que sua condenação foi uma farsa. "Foi um julgamento à revelia. Os delatores que o implicaram vivem livremente, muito bem, e ele foi o único condenado. Tornou-se um bode expiatório. Ele foi injustiçado, é um perseguido político. A Itália teria que refazer o processo."

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