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 As negociações Mercosul-União Europeia, por Aloysio Nunes

/Agência Brasil
O ministro da Relações Exteriores, Aloysio Nunes
Como parte do esforço de modernização da inserção econômica internacional do País, a política externa do governo Temer dinamizou as negociações comerciais com outros países e blocos. A negociação entre Mercosul e União Europeia, que estava em banho-maria, ganhou ímpeto em função de seu potencial de redefinir o perfil de nossas relações econômicas e comerciais externas. Vimos aí uma oportunidade para que o Brasil e o Mercosul avançassem de maneira resoluta numa integração competitiva com o mundo, sobretudo à luz da paralisia da vertente negociadora da OMC. Buscamos recuperar o tempo perdido e foi possível fechar 12 dos 15 capítulos do amplo acordo birregional com a UE.
Chegamos muito perto de concluir o acordo, mas permanecem alguns temas sensíveis a resolver. De qualquer forma, o legado que este governo deixa para o próximo não será perdido. A partir de 2019, as negociações poderão ser retomadas sobre uma base mais sólida. A conclusão dessa negociação – em conjunto com os processos negociadores lançados recentemente pelo Mercosul com a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA), o Canadá, a Coreia do Sul e Cingapura – é particularmente importante porque deve assegurar ganhos competitivos decorrentes de regulamentação aprimorada, processos internos mais eficientes e insumos produtivos melhores e mais baratos. Evidentemente, essa nova agenda externa não pode avançar no vazio, mas deve se fazer acompanhar do esforço doméstico de reforma, dois aspectos do mesmo impulso de modernização.
Estamos literalmente negociando com Bruxelas desde o século passado. A dificuldade em lidar com temas sensíveis, contudo, gerou longas interrupções, seguidas por retomadas custosas. A etapa atual, iniciada em maio de 2016, não se confunde com as anteriores. As dificuldades que restam são comerciais e, mesmo nessa área, capítulos inteiros foram concluídos ou praticamente concluídos. Entendimentos convergentes também foram encontrados para vários temas complexos, como barreiras técnicas e restrições sanitárias e fitossanitárias. Em termos quantitativos, podemos dizer, sem medo de errar: o principal já foi feito.
O que resta por acordar, contudo, é o que existe de politicamente mais sensível. Nesse aspecto, o Mercosul não se mostrou tímido. No setor automotivo, um dos grandes desafios da negociação, confirmamos nossa disposição em assegurar resultado final de plena liberalização. Aceitamos nos mover em direção a regras de origem mais flexíveis, oferecemos cobertura setorial abrangente em acesso ao mercado de serviços e preparamos ofertas nacionais ambiciosas em compras governamentais. Confirmamos, inclusive, disposição de garantir um dos resultados mais abrangentes de proteção de indicações geográficas jamais incluído em qualquer acordo da UE. Demonstramos total disposição em abordar temas novos, como sustentabilidade ambiental e questões laborais, sem enfoques excessivamente defensivos.
O tratamento de temas sensíveis exige flexibilidade dos dois lados. Frequentemente, a busca do objetivo ideal inviabiliza o bom acordo, pondo em risco ganhos reais. O sucesso da negociação Mercosul-UE depende de uma análise cuidadosa de oportunidades que serão perdidas caso se insista em atender a todas expectativas das partes, mesmo quando claramente irrealistas. Melhor seria assegurar rapidamente o bom acordo e, posteriormente, utilizar seus mecanismos de revisão para aperfeiçoamentos.
Em agricultura, apesar de o Mercosul manter enfoque de realismo e de moderação, lamentavelmente não foi possível se aproximar, até o momento, do resultado que se espera com a UE. Entendemos a sensibilidade europeia no setor, mas não podemos assinar um acordo que não reflita a realidade dos países membros do Mercosul como exportadores destacados de carnes, açúcar, etanol e arroz. Se abrir nossos mercados atende aos interesses dos consumidores do Mercosul, o mesmo vale para os consumidores europeus.
O desenvolvimento brasileiro seguiu historicamente padrão de substituição de importações. Hoje, os benefícios desse enfoque defensivo são inferiores aos custos de continuarmos com uma integração global insuficiente. No entanto, não é simples alterar perspectivas tão enraizadas. Para o Brasil e para o Mercosul, apresentar a oferta hoje sobre a mesa exigiu enfrentar interesses protecionistas e pode representar a mudança de um paradigma de desenvolvimento, fato que nem sempre é levado na devida conta pelos nossos parceiros europeus. De sua parte, a nossa expectativa é a de que a UE também enfrente suas pressões protecionistas, particularmente no campo agrícola, e reconheça o enorme esforço realizado pelo Mercosul.
O desafio atual, mais do que técnico, é de natureza política. Existe um conjunto de temas cujo encaminhamento exige decisão política capaz de gerar o equilíbrio necessário para a finalização do acordo. O entendimento sobre esse núcleo de temas essenciais poderia gerar efeitos positivos sobre a negociação de temas técnicos, superando, assim, o ritmo de avanço incremental das rodadas negociadoras recentes. Espero que o Mercosul, mantendo seu enfoque de abertura, consiga trazer a UE para essa convergência de vontades políticas no próximo ano. Disso depende um acordo que será importante para os dois lados e que, em um mundo marcado por múltiplas ameaças protecionistas, representará valiosa demonstração de nosso compromisso com o livre-comércio.
Aloysio Nunes é Ministro da Relações Exteriores
Estadão

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