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Política
Jorge Picciani, presidente da Alerj (Foto:  Fernando Lemos / Agência O Globo)
No fim de semana de 11 e 12 de novembro, o clã Picciani se reuniu na fazenda da família em Uberaba, no Triângulo Mineiro. Estavam lá o patriarca, Jorge Picciani, presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), seus três filhos mais velhos – o ministro do Esporte, Leonardo, o deputado estadual Rafael e a ovelha desgarrada da política, o zootecnista Felipe –, além da mãe deles, Márcia. Era uma reunião de negócios. O quinteto é sócio da Agrobilara, empresa pecuarista que investe na alta genética bovina. Eles se reuniram para preparar o leilão de 200 animais, a maioria fêmeas da raça nelore, marcado para os dias 2 e 3 de dezembro. Orgulhoso, Picciani publicou nas redes sociais uma foto da sala de troféus da fazenda. “Faltou prateleira”, vangloriou-se.
Na terça-feira, dia 14,  assim que o avião que levou Picciani pai de volta ao Rio de Janeiro pousou no aeroporto Santos Dumont, os passageiros foram instruídos pela tripulação a se manter sentados: uma equipe da Polícia Federal entraria na aeronave. Não foi preciso. Tão logo desembarcou, o deputado do PMDB foi abordado pelos policiais e levado a depor na sede da PF. Ao mesmo tempo, a Operação Cadeia Velha prendia Felipe em Uberaba. Sob a acusação de lavar dinheiro sujo por meio da compra de gado, ele foi levado ao Rio para cumprir prisão temporária.
Na quinta-feira, por decisão unânime, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região decretou a prisão de Picciani e de outros dois integrantes da cúpula da Alerj: o ex-presidente Paulo Melo e o líder do governo na Casa, deputado Edson Albertassi, ambos do PMDB. No dia seguinte, entretanto, o plenário da Alerj, num gesto de escancarado compadrio, votou pela revogação da prisão do trio – a despeito de ruidosas manifestações contrárias à decisão em frente à sede da Assembleia. Os deputados estaduais fluminenses valeram-se de precedente aberto, no mês passado, pelo Supremo Tribunal Federal. O STF repassou ao Senado a palavra final sobre o afastamento do senador Aécio Neves, do PSDB de Minas Gerais, que havia sido determinado pelo próprio tribunal. Os senadores devolveram o mandato a Aécio e anularam também uma decisão de recolhimento noturno obrigatório.
Protesto em frente a Alerj por causa da votação que decidiu pela soltura de Jorge Picciani (Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo)
Recai sobre Picciani, Paulo Melo e Albertassi a suspeita de encabeçarem uma quadrilha que recebia propinas de empresários de transporte e construção civil. Os três negam as acusações. O Ministério Público Federal afirma que a organização criminosa é um braço do esquema de corrupção do ex-governador Sérgio Cabral, cuja prisão completou um ano na sexta-feira, dia 17. Cabral foi condenado a 72 anos de reclusão e responde a outras 13 ações penais. As investigações que asfixiaram o ex-governador agora estrangulam Picciani. Os procuradores afirmam que o presidente da Alerj recebeu R$ 84 milhões de propina de julho de 2010 a março de 2017. Em troca do suborno, diz o MPF, Picciani favorecia empresas de ônibus interessadas no aumento da passagem e em isenções tributárias e também dava uma mãozinha aos negócios da empreiteira Odebrecht no Rio de Janeiro. Segundo os procuradores, mesmo após a prisão de Cabral, Picciani manteve o esquema – uma acusação que pesou na decisão do TRF-2 de decretar sua prisão em flagrante.
O MPF obteve contra Picciani um arsenal de provas, colhidas graças à quebra de sigilos fiscal e telefônico, à apreensão de documentos, computadores e celulares e às delações premiadas do doleiro Álvaro Novis, do empresário do setor de transporte Marcelo Traça e do ex-presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE) Jonas Lopes. Novis entregou aos procuradores uma planilha de pagamentos feitos pela Federação das Empresas de Transportes de Passageiros (Fetranspor) a Picciani. Segundo o doleiro, a propina era recolhida nas garagens de ônibus e ficava no cofre de uma firma de segurança até ser repassada a operadores indicados por Picciani, identificado como “Platina” ou “Satélite” nas planilhas. Marcelo Traça contou que foi duas vezes à casa do deputado para acertar pagamentos de R$ 2 milhões mensais. O relato condiz com o depoimento de Jonas Lopes. Ele afirma que combinou uma mesada de R$ 70 mil para cada um dos seis conselheiros do TCE em uma reunião na residência de Picciani. A partir de então, os conselheiros passaram a ter “boa vontade” na fiscalização das empresas de ônibus.
Habilidoso, Picciani fez sua influência extrapolar os limites regionais e amealhou poder no governo de Michel Temer
Picciani deixou o aeroporto cabisbaixo ao ser levado para depor. Em nada lembrava o político que procurou manter-se altivo quando foi alvo da Lava Jato pela primeira vez. Em março, ele foi levado a depor numa operação que encarcerou cinco conselheiros do TCE. No mesmo dia, retornou à Alerj e fez um pronunciamento para transmitir segurança a seus áulicos. Desta vez,  porém, depois de depor coercitivamente, Picciani preferiu ir para casa, na Zona Oeste do Rio, onde mora com a mulher, Hortência, e o filho bebê. Como agravante para o desânimo de Picciani, a investigação atinge Felipe, seu único filho adulto sem foro privilegiado, tornando-o exposto a uma Justiça mais célere.
Descrito pelo MPF como “o político mais influente do estado”, Picciani cumpre seu sexto mandato na presidência da Alerj. Foi o articulador da base de apoio ao governador Sérgio Cabral. Tem ampla ascendência sobre os colegas, até mesmo quando está afastado da Casa. Os procuradores revelaram uma troca de mensagens de 2011 sobre gratificação de servidores públicos entre o deputado estadual André Corrêa, do DEM, e Cabral. Nas mensagens, Picciani aparecia em cópia apesar de estar no período sem mandato. No ano anterior, ele perdera a disputa para o Senado. Em julho deste ano, Picciani tirou uma licença médica para tratar de um tumor na bexiga. Retornou ao cargo em outubro. Debilitado, passou a limitar a ida ao gabinete a duas vezes por semana, pois ainda se submete a uma fisioterapia pós-operatória. Mas seu poder se manteve inalterado.
Presidente do PMDB fluminense, Picciani é um chefe regional que expandiu sua área de influência além dos limites do estado. Habilidoso nas manobras do poder, ele apoiou Aécio Neves em 2014 e fez campanha pelo impeachment de Dilma Rousseff. Aproximou-se assim do governo de Michel Temer, que nomeou Leonardo Picciani ministro do Esporte. Nesta semana, o nome de Leonardo apareceu na delação, ainda não homologada pelo STF, do marqueteiro Renato Pereira. Ele afirma que o ministro lhe cobrou propina para favorecer sua agência, a Prole, numa licitação federal.
A investigação que dilacera o PMDB fluminense ainda está em estágio inicial – e é provável que novas denúncias surjam. Sejam quais forem os desdobramentos, é certo que o esquálido governo de Luiz Fernando Pezão, no estado do Rio, tende a ficar mais debilitado. “Se as lideranças do governo na Assembleia enfraquecem, a situação do Pezão fica ainda mais frágil”, diz o deputado Luiz Paulo (PSDB). Picciani é o principal articulador de Pezão na Alerj. No começo do ano, após uma série de nomeações de parlamentares para secretarias estaduais, ele recompôs a base de apoio ao governador, que estava em frangalhos devido à crise administrativa que culminou com o atraso de salário dos servidores. Depois do Executivo e da Corte de contas estaduais, a Lava Jato avança agora sobre o Legislativo, mas o último barão do Rio tenta resistir.

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