Pular para o conteúdo principal
'Exército é o mesmo de 1964, mas circunstâncias mudaram', diz comandante sobre pedidos de intervenção militar
 
General Villas Boas em audiência no Senado: Após general revelar que enfrenta um doença degenerativa, especulações sobre sua sucessão escalaram | Foto: Marcelo Camargo/Ag. Brasil© BBC Após general revelar que enfrenta um doença degenerativa, especulações sobre sua sucessão escalaram | Foto: Marcelo Camargo/Ag. Brasil O general Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, comandante-geral do Exército, é um dos responsáveis por assegurar a defesa do país. Ao mesmo tempo, é um homem que trava uma batalha pessoal com a própria saúde.
Em março deste ano, ele revelou, em um vídeo institucional divulgado no YouTube, estar enfrentando uma doença neuromotora degenerativa que afeta a musculatura. Cinco meses depois, com a mobilidade bastante restrita e a respiração mais ofegante, ele tem participado de eventos usando uma cadeira de rodas.
Em entrevista à BBC Brasil, por telefone, o próprio comandante classificou a situação dele como "inaudita". Mas garante que a saúde mais fragilizada, que contrasta com a imagem de um soldado pronto para a guerra, não é, para ele, motivo para ele deixar o posto. O trabalho, diz ele, o ajuda a enfrentar a doença. Nos bastidores da caserna, porém, já se especula quem será seu sucessor.
Questionado sobre os pedidos de intervenção militar que surgiram em certos setores nos últimos anos, o Villas Bôas foi categórico em dizer que a própria sociedade brasileira é capaz de encontrar uma solução para a crise sem que isso ocorra. "O Brasil tem um sistema que dispensa a sociedade de ser tutelada", declarou.
O comandante falou também sobre o emprego - e limitações - das Forças Armadas para conter a escalada da violência urbana. Para ele, que mais de uma vez já criticou o uso delas em ações para garantir a manutenção da lei e da ordem em cidades, o Exército nas ruas pode melhorar a sensação de segurança apenas de forma passageira.
E chamou ainda de "alarmistas" os críticos do exercício militar que o Exército fez na Amazônia com a participação de representantes de 20 países.

'Comandar o Exército me fortalece'

Aos 16, entrou na Escola de Cadetes em Campinas, para em seguida ingressar na Academia Militar das Agulhas Negras. Aspirante da turma de 1973, acumulou na carreira importantes postos de comando, como o da Amazônia, e funções mais políticas como a de adido-adjunto na Embaixada do Brasil na China e chefe da assessoria parlamentar do Exército.
Villas Boas numa solenidade oficial: General Villas Bôas tem apareciso em solenidades usando cadeira de rodas | Foto: Reprodução/Twitter© BBC General Villas Bôas tem apareciso em solenidades usando cadeira de rodas | Foto: Reprodução/Twitter Foi promovido comandante em julho de 2011. Desde então, passou usar as redes sociais para se comunicar com dois públicos diferentes: os militares e entusiastas das Forças e também o público em geral. Ele próprio é ativo no Twitter, mas admite que não posta diretamente. "Mas sempre defino os temas e o espírito da mensagem."
Villas Bôas se diz frustrado por não poder percorrer as unidades do Exército, mas garante que o exercício da função o ajuda a enfrentar a doença.
"Me fortalece e me anima", diz, complementando, no entanto, "que não quer dar um caráter heroico ao que está acontecendo".
O general afirma não ver razão para ir para a reserva e que desde que assumiu publicamente a doença tem recebido "muitas manifestações de solidariedade e apoio".

'Linha-dura' na fila da sucessão do Exército

Após o comandante assumir a doença publicamente, as especulações sobre sua sucessão ganharam corpo.
Há quem acredite que ele esteja resistindo no cargo e enfrentando pressões internas para evitar que nomes mais "linha-dura" e ícones dos "intervencionistas" - como o general Antonio Hamilton Mourão, atual secretário de Economia e Finanças do Exército - assumam o comando da Força.
Foi Mourão quem, ao ser questionado sobre intervenção militar em uma palestra promovida pela maçonaria em Brasília em setembro, falou sobre impor uma ação caso a Justiça não aja contra a corrupção.
Mourão, ao lado dos oficiais Juarez Aparecido de Paula Cunha, chefe do Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército, e Gerson Menandro, da representação brasileira na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), são os mais bem colocados no chamado "Almanaque do Exército".
Exército patrulha Rio nas Olimpiadas de 2016: Emprego das Forças Armadas não resolve o problema da segurança pública, afirma comandante | Foto: Exército Brasileiro© BBC Emprego das Forças Armadas não resolve o problema da segurança pública, afirma comandante | Foto: Exército Brasileiro O termo refere-se a um ranking de posicionamento dos militares dentro da linha hierárquica, com base na colocação que eles obtêm no decorrer de sua formação e carreira. A posição dentro do almanaque, atualizado mais de uma vez por ano a cada ciclo de promoções, define hierarquia mesmo entre militares no mesmo posto.
Aspirantes da turma de 1975, os três generais cotados para o lugar do atual comandante vão para a reserva em março do próximo ano.
"Realmente não é uma praxe a escolha de oficiais da reserva para voltar para a Força e assumir o comando. A praxe tem sido sempre no sentido de escolher alguém ainda na ativa porque isso realmente fortalece a coesão", explica.
Mas ele nega estar resistindo no cargo para barrar os colegas.
"Eu diria que especulações nesse sentido estão absolutamente desprovidas de fundamentação. Esses oficiais a que você se referiu, assim como os outros oficiais do Alto Comando do Exército, estão plenamente habilitados a assumir o comando e cumprir um papel tão bom ou melhor que o meu", diz.
O comandante ressalta a proximidade com esses generais. "Eles estão entre os que mais trabalham pela manutenção da coesão e da institucionalidade do Exército."
"Essa preocupação, sinceramente, não está presente", completa.

Perfil para comandar

Dois homens do Exército patrulham o Rio: Para Villas Bôas, estilos diferenciados de liderança não permitem traçar perfil ideal para um comandante do Exército | Foto: Exécito Brasileiro© BBC Para Villas Bôas, estilos diferenciados de liderança não permitem traçar perfil ideal para um comandante do Exército | Foto: Exécito Brasileiro Villas Bôas também nega ter entre seus nomes preferidos para assumir o comando do Exército o do general Fernando Azevedo e Silva, tido no meio militar como um moderado que desfruta de crédito com a tropa e, ao mesmo tempo, circula bem no meio político.
"O nome do general Fernando surge naturalmente porque ele é o chefe do Estado Maior do Exército. O chefe do Estado Maior é o principal executivo, aquele que implementa as diretrizes político estratégicas que eu, no caso como comandante, formulo. Ele acaba tendo uma visibilidade maior e até, talvez, uma ligação mais estreita comigo", afirma.
"E ele é perfeitamente habilitado a assumir o comando do Exército, assim como os demais integrantes do Alto Comando. Isso não caracteriza uma preferência", completa.
Questionado sobre o perfil de um comandante em tempos de crise política, turbulência econômica e apelos cada vez mais crescentes por intervenção, Villas Bôas diz não ser possível traçar características ideais.
"Com relação ao perfil ideal para comandante do Exército, não se pode traçar um perfil considerado ideal, já que os estilos de liderança são absolutamente individualizados. Cada pessoa estabelece seu estilo de liderança de acordo com as circunstâncias, com sua capacidade, com o ambiente e de acordo com os objetivos que ele estabelece. Não há como traçar um perfil para essa função."
Veículos do Exército: 'Não cabe participar de uma dinâmica de caráter político e de caráter partidário', diz Villas Bôas | Foto: Exército Brasileiro/Centro de Comunicação© BBC 'Não cabe participar de uma dinâmica de caráter político e de caráter partidário', diz Villas Bôas | Foto: Exército Brasileiro/Centro de Comunicação

Intervenção militar

Questionado sobre os apelos por intervenção militar agregarem complexidade à missão de comandar o Exército e a tropa de mais de 200 mil homens, Villas Bôas diz que não há nenhuma dificuldade interna e salienta a necessidade de ficar longe das disputas político-partidárias.
"O Exército está coeso e absolutamente consciente de que é uma instituição de Estado e de que não cabe participar de uma dinâmica de caráter político e de caráter partidário", afirma.
Ele próprio cita 1964, ano em que os militares assumiram o comando do Brasil, para salientar quão diferentes eram as circunstâncias daquela época se comparadas com o momento atual.
"Sempre vêm lembranças relativas ao período de 1964... O Exército continua o mesmo daquele período, com os mesmos valores, os mesmos princípios, os mesmos objetivos, mas as circunstâncias mudaram muito", diz.
Presidente Michel Temer cumprimenta Villas Boâs que está na cadeira de rodas: Antes de falar publicamente sobre a doença, comandante do Exército diz que comunicou o presidente Michel Temer | Foto: Beto Barata/PR© BBC Antes de falar publicamente sobre a doença, comandante do Exército diz que comunicou o presidente Michel Temer | Foto: Beto Barata/PR Segundo o comandante, aqueles foram tempos de Guerra Fria, em que até mesmo a coesão do Exército estava ameaçada. "O Exército estava na eminência de rachar."
Hoje, afirma Villas Bôas, o país tem instituições amadurecidas. "Tanto que a gente vem nessa crise já há algum tempo e as instituições permanecem cada uma cumprindo as suas funções. O Brasil é um país complexo, tem um sistema de pesos e contrapesos que dispensa a sociedade de ser tutelada. Então ela própria, a sociedade, tem que encontrar os caminhos para a superação dessa crise."

Solução para o problema da segurança pública

Além de se posicionar contra a necessidade de intervenção militar para resolver a atual crise, o comandante também tem uma visão crítica em relação ao uso das Forças Armadas para conter a violência urbana.
Apesar de considerar natural a expectativa de ver o Exército atuando para garantir segurança pública, Villas Bôas acredita que o problema é mais complexo - e exige muito mais que soldados nas ruas.
"Quero ressaltar que não se pode esperar que o emprego das Forças Armadas, no nosso caso o Exército, vai resolver o problema de segurança pública. Essa é uma problemática que tem raízes muito profundas e decorre de falência, de não funcionamento ideal de vários outros setores da atuação governamental ou até mesmo de responsabilidade da sociedade", afirma.
"Aí vem o problema da educação e da disciplina social, das quais a nossa sociedade está carente. Vem o problema de falta de alternativa para a juventude e algo que lhes dê uma esperança no futuro."
"Faço questão de ressaltar que o emprego das Forças Armadas simplesmente não vai resolver a problemática de segurança pública. Pode contribuir? Sim para a sensação de segurança da sociedade, mas isso é passageiro."
Cena com simulação de atendimento a feridos: Exercício militar na Amazônia com a participação de 20 países simulou ações de caráter humanitário | Foto: Antonio Cruz/Ag. Brasil© BBC Exercício militar na Amazônia com a participação de 20 países simulou ações de caráter humanitário | Foto: Antonio Cruz/Ag. Brasil

'Alarmistas' sobre Amazônia

Villas Bôas respondeu às críticas dos que se manifestaram contra um exercício militar inédito, com participação de 20 países, incluindo os EUA, na Amazônia.
"Jamais, jamais tomaríamos uma iniciativa que pudesse colocar em risco a nossa, como você disse, soberania na Amazônia. Estamos realizando um exercício multinacional. É um exercício de caráter humanitário. Visa nos preparar para fazer face a problemas humanitários em áreas remotas com todas as dificuldades logísticas de acesso, por isso foi escolhida a Amazônia", explica.
Segundo o comandante do Exército, a base montada durante a operação, que aconteceu entre os dias 6 e 13 de novembro, é temporária e será desmobilizada.
Avião do Força Aérea dos EUA: EUA participaram do exercício militar na Amazônia com aviões e observadores | Foto: Antonio Cruz/Ag. Brasil© BBC EUA participaram do exercício militar na Amazônia com aviões e observadores | Foto: Antonio Cruz/Ag. Brasil "Há pessoas com caráter alarmista dizendo que vai permanecer uma base, e isso é absolutamente inverídico", critica.
Ele diz que o exercício envolveu tropas brasileiras, peruanas e colombianas, além de observadores de outros 17 países, entre eles os EUA.
"Cada país possui um tipo de expertise que dependem das suas condições geográficas. Há países que têm problemas de terremoto, de incêndios florestais, outros problemas de inundação... Os EUA estão com a guarda-nacional e aviões que espargem água para o caso de incêndios florestais."

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Procurador do DF envia à PGR suspeitas sobre Jair Bolsonaro por improbidade e peculato Representação se baseia na suspeita de ex-assessora do presidente era 'funcionária fantasma'. Procuradora-geral da República vai analisar se pede abertura de inquérito para apurar. Por Mariana Oliveira, TV Globo  — Brasília O presidente Jair Bolsonaro — Foto: Isac Nóbrega/PR O procurador da República do Distrito Federal Carlos Henrique Martins Lima enviou à Procuradoria Geral da República representações que apontam suspeita do crime de peculato (desvio de dinheiro público) e de improbidade administrativa em relação ao presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL). A representação se baseia na suspeita de que Nathália Queiroz, ex-assessora parlamentar de Bolsonaro entre 2007 e 2016, período em que o presidente era deputado federal, tinha registro de frequência integral no gabinete da Câmara dos Deputados  enquanto trabalhava em horário comerci
Atuação que não deixam dúvidas por que deveremos votar em Felix Mendonça para Deputado Federal. NÚMERO  1234 . Félix Mendonça Júnior Félix Mendonça: Governo Ciro terá como foco o desenvolvimento e combate às desigualdades sociais O deputado Félix Mendonça Júnior (PDT-BA) vê com otimismo a pré-candidatura de Ciro Gomes à Presidência da República. A tendência, segundo ele, é de crescimento do ex-governador do Ceará. “Ciro é o nome mais preparado e, com certeza, a melhor opção entre todos os pré- candidatos. Com a campanha nas Leia mais Movimentos apoiam reivindicação de vaga na chapa de Rui Costa para o PDT na Bahia Neste final de semana, o cenário político baiano ganhou novos contornos após a declaração do presidente estadual do PDT, deputado federal Félix Mendonça Júnior, que reivindicou uma vaga para o partido na chapada majoritária do governador Rui Costa (PT) na eleição de 2018. Apesar de o parlamentar não ter citado Leia mais Câmara aprova, com par
Estudo ‘sem desqualificar religião’ é melhor caminho para combate à intolerância Hédio Silva defende cultura afro no STF / Foto: Jade Coelho / Bahia Notícias Uma atuação preventiva e não repressiva, através da informação e educação, é a chave para o combate ao racismo e intolerância religiosa, que só em 2019 já contabiliza 13 registros na Bahia. Essa é a avaliação do advogado das Culturas Afro-Brasileiras no Supremo Tribunal Federal (STF), Hédio Silva, e da promotora de Justiça e coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Proteção dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação (Gedhdis) do Ministério Público da Bahia (MP-BA), Lívia Vaz. Para Hédio o ódio religioso tem início com a desinformação e passa por um itinerário até chegar a violência, e o poder público tem muitas maneiras de contribuir no combate à intolerância religiosa. "Estímulos [para a violência] são criados socialmente. Da mesma forma que você cria esses estímulos você pode estimular