Após impasse, STF decide sobre prisão de Lula; quatro perguntas para entender o que está em jogo
No Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, os advogados de Lula questionaram pontos da decisão unânime dos desembargadores, que concordaram com a condenação imposta pelo juiz Sérgio Moro no caso tríplex do Guarujá.
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Depois de semanas de aumento da tensão nos cenários político e jurídico, Lula obteve duas respostas a seus pleitos nesta quarta-feira. No fim da manhã, o TRF-4 anunciou que julgará os recursos do petista na próxima segunda-feira, dia 26. No início da tarde, a ministra Carmén Lúcia surpreendeu os colegas ao anunciar que levará ao plenário da Corte o pedido de Lula para obter uma salvaguarda contra a prisão.
A BBC Brasil revisitou os recursos e explica o que motivou a mudança de panorama e o que está em jogo nos próximos dias.
1. Por que Cármen Lúcia pautou o caso de Lula? O julgamento estava previsto?
Em seu pedido de salvaguarda, a defesa de Lula alega que a prisão do petista poderia acontecer imediatamente após o julgamento dos recursos de Lula no TRF-4, sem que o petista tivesse esgotado as possibilidades de recursos de defesa na Justiça. Isso, ainda de acordo com o advogado Cristiano Zanin Martins, fere o princípio constitucional da garantia da ampla defesa.A prisão nessas condições, no entanto, foi autorizada pelo próprio STF. Em 2016, o tribunal decidiu por 6 votos a 5 que condenados em segunda instância podem começar a cumprir a pena. No caso de Lula, os desembargadores do TRF-4 determinaram a prisão do petista tão logo acabassem os recursos disponíveis no tribunal.
Dada a proximidade da decisão em Porto Alegre, o julgamento no STF em relação à liberdade de Lula se tornava cada vez mais urgente. Paralelamente, alguns ministros da Suprema Corte passaram a criticar a decisão do Tribunal sobre a segunda instância e começaram a demandar que o STF revisitasse o assunto.
Apesar disso, o julgamento do pedido de habeas corpus da defesa de Lula no STF não estava previsto para este mês, tampouco para abril, o que gerou intensa pressão sobre a presidente da corte, responsável por definir a pauta do STF.
Além dos apoiadores de Lula, advogados de réus da Operação Lava Jato e parte da classe política queriam que Cármen Lúcia pautasse o tema o quanto antes. Defensores dos direitos humanos tinham a mesma visão: o "cumprimento provisório da pena" não atinge só políticos; existem casos de pessoas que foram condenadas em segunda instância por crimes comuns e já estão presas, mas podem ter a condenação revista pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou pelo próprio Supremo.
Do outro lado, os partidários da revisão passaram a ser acusados de casuísmo: estariam dispostos a alterar as mudanças das regras atuais apenas para prejudicar ou beneficiar Lula.
Mais do que isso, procuradores da Lava Jato e o próprio juiz Sergio Moro argumentaram publicamente que uma mudança de entendimento do STF significaria um "liberou geral" para políticos acusados de corrupção e investigados na Lava Jato: a ida para a cadeia só após o fim de todos os recursos criaria impunidade e levaria ao fim das apurações contra a corrupção. É essa também a posição dos movimentos sociais que pediram o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Militantes do Vem Pra Rua reuniram-se com Cármen Lúcia no começo da tarde de hoje para tratar do assunto.
Com a decisão de hoje, Cármen Lúcia tenta "driblar" as críticas que têm recebido de colegas do STF por não pautar o assunto, ao mesmo tempo em que não desagrada o grupo "pró-Lava Jato". A decisão será exclusiva para o ex-presidente Lula, e não terá impactos sobre as situações de outros políticos investigados.
2. Como os ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Gilmar Mendes pressionaram Cármen Lúcia?
Os três ministros têm liderado no STF o pedido da revisão da decisão de 2016. Marco Aurélio Mello é o relator das duas ações que questionam o "cumprimento provisório" da pena. No jargão do tribunal, as ações são chamadas de ADCs - Ações Declaratórias de Constitucionalidade.Marco Aurélio liberou os processos para julgamento pelo plenário em dezembro passado. As ações foram apresentadas ainda em maio de 2016, pelo antigo Partido Ecológico Nacional (PEN), e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A entidade de classe é contra o cumprimento da pena após a condenação em segunda instância. Já o Ministério Público é favorável.
Na última quarta-feira, Marco Aurélio conversou com Cármen Lúcia no intervalo da sessão de julgamento. Pediu que ela pautasse as ações, mas a presidente da corte desconversou.
Celso de Mello também conversou com Cármen Lúcia sobre o tema, e teria pedido uma reunião informal dos ministros para tratar do assunto, a portas fechadas. A reunião deveria ter ocorrido ontem, mas não existiu. Celso de Mello comentou com jornalistas sobre a gravidade da situação na Corte, que ele avaliava ser sem precedentes.
Marco Aurélio preparou-se então para fazer uma "questão de ordem", em plenário, demandando que Cármen Lúcia pautasse o tema. Se a maioria dos ministros concordasse, os processos seriam incluídos na pauta da próxima sessão.
Além de Celso de Mello e Marco Aurélio, o ministro Gilmar Mendes instou publicamente Cármen Lúcia, na última segunda-feira, a marcar uma data para o julgamento do pedido de habeas corpus de Lula.
Pelo menos cinco ministros do STF são favoráveis à mudança da regra do "cumprimento provisório" da pena: Celso, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski defendem a volta à regra anterior; enquanto Gilmar Mendes e Dias Toffoli desejam que a pena seja cumprida após decisão do STJ. Outros cinco ministros querem manter a regra atual. Rosa Weber, que votou contra a execução de pena em segunda instância em 2016, não se posicionou publicamente sobre o tema recentemente. Seu voto atual é desconhecido.
3. O que acontece se Lula for derrotado no STF?
O destino do ex-presidente depende de duas decisões judiciais: a do STF, nesta quinta-feira, e a dos três desembargadores do TRF-4, em Porto Alegre. Os três desembargadores - Leandro Paulsen, Gebran Neto e Victor Laus - julgam na segunda-feira um "embargo de declaração" apresentado pela defesa do ex-presidente, no qual questionam possíveis omissões ou pontos obscuros da decisão na qual o petista foi condenado em segunda instância, no dia 24 de janeiro.Se Lula obtiver um habeas corpus no STF, qualquer decisão do TRF-4 sobre sua prisão fica em suspenso - e ele não irá para a cadeia imediatamente. Ainda assim, uma eventual vitória no STF não anula a condenação de Lula que, em tese, o torna inelegível pelo que dispõe a Lei da Ficha Limpa.
Se perder no Supremo, tudo indica Lula deverá ser preso em no máximo 10 dias.
Se houver alguma divergência entre os três desembargadores do TRF-4 na segunda-feira, o juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, deverá esperar a publicação do acórdão do julgamento do recurso. Este acórdão costuma ser publicado em até dez dias. Só então Moro poderá expedir o mandado de prisão contra o petista.
Mas se não ocorrer nenhuma divergência entre os desembargadores - cenário mais possível, já que no julgamento do caso, em janeiro, eles concordaram em tudo - Moro poderá emitir pedido de prisão contra Lula ainda na segunda-feira. Nas últimas prisões da Lava Jato, o próprio Moro têm determinado detalhes do cumprimento da pena, como a cidade e o local onde o preso ficará.
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