Está dura a vida para Theresa May. Até, ou principalmente, aliados estão pedindo sua grisalha cabeça na ponta do espeto.
Mas não tão dura quanto a torcida contra gostaria. Levados por arroubos emocionais, integrantes das hostes anti-May tiveram uma certa crise existencial e chegaram a se perguntar, como se houvesse dúvida, quem iria formar o novo governo britânico.
O partido no governo tem a primeira chance de propor uma coalizão. Seria assim mesmo tendo perdido a maioria operacional, mantendo a relativa. Ao todo, o Partido Conservador perdeu 12 deputados, caindo para, 318. Uma queda chocante, mas não inteiramente catastrófica.
A última vez em que houve um governo sem maioria foi em 1997, quando John Major era o primeiro-ministro. Major havia calçado os sapatos gigantescos de Margaret Thatcher, apunhalada pelo próprio Partido Conservador, uma hipótese ainda não descartada no caso de Theresa May. Conseguiu recuperar a maioria.
CARTILHA DE MALUQUICES
Para inteirar os 326 deputados necessários a um governo que não seja refém da oposição, May saiu correndo para fazer uma coalizão com um partido quase desconhecido fora das fronteiras do reino.
O Partido Unionista Democrático é um dos dois que representa a minoria protestante na Irlanda do Norte. Seus dez deputados agora valem ouro – no sentido figurado; ao pé da letra, isso só acontece em outras latitudes.
O Partido Trabalhista tem todos os motivos para comemorar. Com um candidato de extrema-esquerda, Jeremy Corbyn, com propostas que vão muito além, na cartilha de maluquices, da cartilha socialista pré-Terceira Via (a modernização introduzida na era Tony Blair), elegeu mais 31 deputados.
O total de 261 lugares no Parlamento dá uma boa força às posições extremistas dos corbinistas. Como dizia Barack Obama, eleições têm consequências e o eleitorado jovem, majoritariamente pró-Corbyn, terá a oportunidade de ver o que faz o Partido Trabalhista turbinado.
No curto prazo, com May ou um eventual substituto no comando dos Tories, como Boris Johnson, é pequeno o espaço para dar vazão a loucuras como aumento de impostos para rendas bem médias e renacionalização de serviços como os Correios (custo: 30 bilhões de libras). Salvar as abelhas é uma das boas propostas.
O maior problema para os trabalhistas, agora, é o sucesso: o centro do partido foi varrido pela esquerda, com consequências previsíveis.
IMPOSTO DE ALZHEIMER
O que provocou a pancadona de realidade levada por May? O sucesso também está associado. A primeira resposta é a mais óbvia: quem está ganhando muito, como vinha acontecendo com ela, tende a esquecer que vitória e derrota são parte do mesmo continuum político.
Ela não precisava convocar eleições antecipadas para continuar como chefe de governo, mas convocou. Achava que sairia fortalecida para negociar o Brexit. Saiu dolorosamente enfraquecida.
Estava se achando tanto que construiu a campanha eleitoral toda em volta da própria imagem – daí a bronca e, agora, o schadenfreude dos colegas. Impôs ao programa do Partido Conservador propostas razoáveis do ponto de vista dos gastos públicos, mas eleitoralmente negativas.
A maior delas foi a “taxa da demência”, ou o imposto de Alzheimer, pelo qual idosos acometidos por estes males degenerativos teriam que comprometer parte de seu patrimônio imobiliário, se o tivessem, para pagar a conta de cuidadores, em casa ou em instituições.
Como em todos os lugares do mundo, não adianta argumentar que a conta de benefícios generosos é insustentável. Todo mundo quer cuidador – ou aposentadoria precoce -, partindo do pressuposto equivocado de que já “pagou” por isso com suas contribuições.
May também enfrentou a tétrica sucessão de três grandes atentados terroristas, o último deles, na London Bridge, apenas cinco dias antes da eleição.
Os atentados expuseram tragicamente os erros monumentais dos serviços de segurança que deixaram escapar terroristas que nem precisavam escrever o rótulo na testa: alguns, haviam feito exatamente isso.
INFLUÊNCIA ZERO
Muitos eleitores estão revoltados, furiosos. Sentem-se enganados pelo “sistema”, com sua política de apaziguamento em relação às instituições que geram, alimentam ou simplesmente fecham os olhos aos extremistas muçulmanos que explodem crianças vivas.
Tecnicamente, Theresa May é de centro-direita, com uma antipatia natural pelo “dinheiro grande”, as empresas todo-poderosas e acromegálicas que definem a economia nas sociedades avançadas atuais.
Fora os jornais de esquerda, corporificados pelo Guardian, com toda sua coorte mundial de seguidores e copiadores, May foi apoiada solidamente pela grande imprensa, incluindo os tablóides – ao contrário do que aconteceu durante a campanha do Brexit. Os eleitores deram mais uma prova saudável de que imprensa não ganha eleição para ninguém.
Teve, assim, influência zero, embora mereça destaque, uma sátira divulgada através de um dos canais da BBC. Nela, Corbyn e acólitos são retratados como heróis. Theresa May não apenas é a chefe dos vilões: aparece com um pente extraordinariamente parecido com uma faca manchada de sangue.
A BBC é inteiramente antenada com todas as ideias hoje chamadas de progressistas e costuma dedicar doses maciças de desprezo por May, em particular, e conservadores, em geral.
O clima na televisão pública era de festa com o mau desempenho da primeira-ministra, mas as notícias sobre sua morte podem ter sido um tanto precipitadas. Agora, May tem sua chance de mostrar realmente que não usa sapato de oncinha por acaso.
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