O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu nesta quinta-feira (3) o julgamento sobre o foro privilegiado de deputados e senadores e decidiu que os parlamentares só serão julgados no STF em casos de crimes cometidos durante o exercício do mandato e em função dele. A análise da ação foi retomada nesta quarta-feira (2), após um intervalo de cinco meses, e encerrada hoje com o voto do ministro Gilmar Mendes. A votação foi unânime para limitar o foro especial dos membros do Congresso. Houve, no entanto, divergências entre os ministros quanto ao limite da restrição.
Quando o julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro Dias Toffoli, em novembro de 2017, já havia maioria para aplicar o foro dos membros do Congresso somente a delitos cometidos depois da diplomação no mandato e em razão do cargo. O ministro Luís Roberto Barroso, relator da ação, propôs a limitação da prerrogativa nestes moldes e foi seguido pelos ministros Rosa Weber, Edson Fachin, Luiz Fux, Celso de Mello, Marco Aurélio Mello e a presidente do STF, Cármen Lúcia.
Já o ministro Alexandre de Moraes propôs uma restrição menor ao foro privilegiado, divergindo de Barroso por entender que todos os crimes cometidos após a diplomação no mandato, mesmo que não relacionadas à atividade parlamentar, deveriam ser abarcados pelo foro. Moraes foi acompanhado pelo ministro Ricardo Lewandowski.
Dias Toffoli, que inicialmente também havia seguido Alexandre de Moraes, retificou seu voto nesta quinta-feira e sugeriu, além da limitação menor ao foro, que também seja restrita a prerrogativa de todas as autoridades, incluindo ministros do STF e do STJ, ministros de Estado, governadores e prefeitos, entre outros. Gilmar concordou com o entendimento do colega, que pode voltar a ser debatido no Supremo.
A decisão tomada pelo STF, portanto, limita-se ao foro privilegiado dos 513 deputados e 81 senadores – e não se aplica às cerca de 55.000 pessoas que dispõem do foro no Brasil pela função que exercem. Conforme uma estimativa divulgada por Luís Roberto Barroso em seu voto, o Supremo tem 528 inquéritos e ações penais envolvendo autoridades com foro privilegiado, que serão reduzidos em 90% com o envio dos processos a instâncias inferiores da Justiça.
Ao analisar a questão, o plenário da Corte também decidiu, por unanimidade, que o ganho ou a perda de foro privilegiado não alterará o juiz ou o tribunal responsável por julgar um processo se a ação tiver concluído a fase de colheita de provas e instrução processual, na qual são ouvidos testemunhas e réus, e for aberta às partes a fase de alegações finais. O entendimento pretende colocar fim ao chamado “elevador processual”, que faz com que processos “subam” ao STF ou “desçam” a instâncias inferiores em função de término de mandato, eleição ou renúncia do réu a cargos com diferentes foros.
O caso concreto julgado pelo STF envolve o foro privilegiado do atual prefeito de Cabo Frio (RJ), Marcos da Rocha Mendes, o Marquinho Mendes (MDB). Ele é réu por comprar votos na eleição municipal de 2008, ano em que se reelegeu prefeito da cidade. Quando Mendes concluiu o mandato, em 2012, o caso foi remetido à primeira instância e, em 2016, passou a ser conduzido pelo STF depois que ele assumiu a cadeira do ex-deputado federal Eduardo Cunha (MDB-RJ) na Câmara. Mendes, entretanto, renunciou ao mandato parlamentar ao ser eleito novamente prefeito, em 2016, e o processo voltou à segunda instância, a quem cabe processar e julgar os mandatários municipais.
Em seu voto, dado no início do julgamento, em junho, o relator sustentou que a revisão do alcance da prerrogativa é “um interesse do país, é uma demanda da sociedade”. Barroso declarou que “resguardar com foro um agente público por atos que ele praticou e que não têm nada a ver com a função que o foro quer resguardar é a concessão de um privilégio”.
Ainda para o ministro, o modelo de foro privilegiado brasileiro cria situações que constrangem o Supremo. “É tão ruim o modelo, que a eventual nomeação de alguém para um cargo que desfrute de foro é tratada como obstrução de Justiça. É quase uma humilhação ao STF. Eu penso que é preciso dar à cláusula do foro privilegiado uma interpretação restritiva e a interpretação que propus no meu despacho e reitero é de que o foro só prevaleça em fatos praticados pelo agente beneficiário do foro no cargo e em razão do cargo. Portanto, como é o caso concreto, se o fato foi praticado quando o individuo era candidato a prefeito e se o foro beneficia quem é deputado, nesse caso não se aplica o foro”.
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