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Cunha acusa prisão preventiva de pena antecipada. Estará certo?

Na carta a Sergio Moro, ex-deputado diz querer a punição dos verdadeiros culpados (não ele, claro!!!) e protesta contra a forma como se dão as prisões

Eduardo Cunha, como se sabe, leu uma carta na audiência desta terça com o juiz Sergio Moro. Anunciou ser portador de um aneurisma no cérebro e reclamou das condições do Complexo Médico de Pinhais. Também disse estar correndo risco, ele e outros da Lava Jato, porque em meio a presos comuns. E tratou de mais um tema, este bem espinhoso: as prisões preventivas. Vamos abordar tudo com o devido cuidado nestes tempos em que os porcos proclamam a igualdade no mundo: todos estariam sujos de lama.
Nada tenho a acrescentar ao que já escrevi sobre a sua saúde. A questão, agora, é médica. Ele certamente tem de ser submetido a um novo exame, e será preciso decidir se tem ou não de passar por uma intervenção cirúrgica. A ciência decide, não o achismo. A  ciência decide, não o alinhamento ideológico. A ciência decide, não a moral daquele que está com o mal.
Agora vamos à questão jurídica relevante. E não reconhecê-la, a partir da situação do próprio Eduardo Cunha, corresponde a enfiar a cabeça no buraco — aquilo que avestruz, é evidente, não faz. Ou já teria sido extinto há muito tempo.
Escreveu o ex-deputado: “Que os verdadeiros culpados sejam punidos, e respeitados o contraditório, a lei e o devido processo legal. E que não haja antecipação de cumprimento de pena por prisão cautelar, ao arrepio da lei”.
Como discordar da frase inicial do trecho: “Que os verdadeiros culpados sejam punidos”?
Alguém se opõe?
Vamos à segunda: “[que sejam] respeitados o contraditório, a lei e o devido processo legal”.
Alguém se opõe?
O problema vem agora: “E que não haja antecipação de cumprimento de pena por prisão cautelar, ao arrepio da lei”.
Posso aqui jogar a lei no lixo, fazer de conta que não existe nem nunca existiu, e sair por aí à caça de aplausos dos lava-jatistas juramentados. E poderia escrever algo mais ou menos assim: “Eduardo Cunha, ora vejam, apostando que temos a memória curta, reclama que está preso injustamente. Quem é ele mesmo? Ora, é aquele senhor que (…)”. E aí, leitor, pode preencher o espaço à vontade.
Eu não tenho as provas — e estimo que a Polícia Federal e o Ministério Público as tenham. Mas não driblo a minha convicção: estou certo de que Cunha é culpado e de que seu lugar é a cadeia.
Ocorre que… Ocorre que Eduardo Cunha ainda não foi julgado — será certamente condenado na primeira instância. Vamos ver nas outras. Leva maior jeito de que também vai se dar mal.
Mas o que o mantém em prisão preventiva hoje? Esse é um arcano a que só o Ministério Público Federal e a Justiça têm acesso. Pergunte a um especialista em direito ou a um jornalista alfabetizado: “Por que Cunha está preso?”.
Não vale dizer que assim são as coisas porque ele é um “bandido”, “um golpista”, um “reaça”.
A lei prevê quatro situações para a preventiva:
– garantir a ordem pública (há evidências de que a pessoa está prestes a cometer um crime);
– garantir a ordem econômica (idem para as questões relativas à economia);
– conveniência da instrução criminal (proteger testemunhas e provas);
– garantir cumprimento da lei penal (impedir a fuga).
Muito bem! Hoje em dia, em qual desses itens Cunha se encaixa — e é possível que se deva fazer tal indagação sobre a situação de outros presos?
A menos que existam fatos que desconhecemos, dou a resposta: nenhum! Há quem aposte na própria inimputabilidade para, então, punir os outros.
Com o ponto a que chegou a investigação no que respeita a Cunha, cumpre perguntar: ele se encaixa, hoje, em uma daquelas quatro condições que rendem prisão preventiva?
Se a Justiça acha que ainda não é hora de julgar os que estão em prisão preventiva, parece necessário que se explique por que estão presos. A menos que se esteja procedendo a uma antecipação da pena. O que é ilegal!
“Ah, Reinaldo está querendo soltar Cunha…” Vá soltar puns de pensamento na água e fazer bolinha. Estou convicto de que é culpado e quero que seja julgado e condenado. Para, então, ser devidamente preso.
É assim tão exótico?

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