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Meirelles no País das Maravilhas?

O erro de desenho do teto é exemplo de que Meirelles vê o país como executivo de banco ou como puro tecnocrata. Não tem como dar certo.

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Prometera a mim mesma que não escreveria sobre candidatos que tivessem menos de 5% de intenções de voto, mesmo com a imensa proporção de brancos, nulos e indecisos que assombram as pesquisas. Contudo, há que abrir exceção para o pré-candidato do MDB (ainda não me acostumei a chamar o partido por seu nom de plume retrô). Afinal, Meirelles foi presidente do Banco Central de Lula ao longo de seus dois mandatos e ministro da Fazenda de Temer, arquiteto das medidas que afastaram a crise de 2008 do mercado financeiro brasileiro e do excêntrico teto de gastos, esse que não tem pilares de sustentação. Volto à excentricidade adiante.
Meirelles, queira ou não, é o avatar de Michel Temer nas eleições de 2018. Apesar da incomensurável rejeição ao atual presidente, insiste Meirelles que, quem o conhece, nele haverá de votar e que, portanto, seu 1% de intenção de voto não o assusta. Há muito espaço para crescer, acredita, sobretudo quando tiver mais tempo para mostrar à população os grandes sucessos alcançados durante sua gestão. Confesso que ao ouvir tais palavras repetidas à exaustão no Roda vivada última segunda-feira perplexa fiquei. Não há dúvida de que, no mundo circunscrito de economistas, avalistas de Temer e participantes do mercado financeiro, a candidatura de Meirelles tem boa aceitação. Tampouco há dúvidas de que esse grupo focal enviesado vê o tal sucesso alardeado pelo ex-ministro. Espantoso é que o pré-candidato pareça não ter se dado conta de que essas pessoas não representam sequer um quase infinitésimo da população brasileira. Supondo que já não façam parte do 1% que declara voto em Meirelles nas pesquisas, há que ter em conta que 1% de 207 milhões de pessoas equivale a 2 milhões de pessoas. Difícil é imaginar que existam mais vários milhões de pessoas no país que conheçam o ex-ministro, haja vista que o normal é que as pessoas nem sequer saibam o nome do atual ministro da Fazenda.
Meirelles falou de crescimento, de desemprego em queda, de conquistas diversas. É evidente que, para os entendedores, credita-se a ele e à equipe econômica parte da restauração da estabilidade econômica. Contudo, outro bom pedaço da retomada resfolegante se deve a fatores que Meirelles jamais teve capacidade de controlar, como o clima que nos deu a safra recorde de 2017 e a natural evolução cíclica do sistema complexo, não linear e dinâmico que é a economia. Meirelles nos deu o excêntrico teto dos gastos — excêntrico por desafiar as leis da física sem o pilar de sustentação da reforma da Previdência, que deveria ter sido encaminhada junto com a Emenda Constitucional que criou o teto. Meirelles esquivou-se dessa pergunta na entrevista, assim como fez com várias outras. Excêntrico teto, pois desvia completamente da boa prática internacional, como argumentei em 2016 em série de artigos para diferentes veículos e no próprio programa Roda viva. Nosso teto é uma anomalia total: congela tudo por duas décadas — o tempo da ditadura no Brasil — com revisões a cada dez anos, tempo que de jangada leva uma eternidade, de saveiro uma encarnação. Não há cláusulas de escape, como têm tetos de outros países, para adequar-se aos bons e maus momentos da economia. Sobretudo, não há nada em seu desenho que reconheça a realidade da política, atendo-se apenas às tecnicalidades e às suposições de racionalidade do Congresso Nacional e dos grupos de interesse. Tal separação entre o que faz sentido econômico em tese, mas não se sustenta politicamente, deu na greve dos caminhoneiros recentemente.
O erro de desenho do teto é exemplo de que Meirelles vê o país como executivo de banco ou como puro tecnocrata.
Não tem como dar certo.
Mas a falta de sintonia do candidato do MDB com o Brasil foi desnudada nas respostas engasgadas, repletas de clichês, que proferiu quando questionado sobre o que, para ele, é a cultura brasileira — sua concepção de Brasil. Futebol, solidariedade, povo trabalhador, diversidade, desigualdade, não necessariamente nessa ordem.
Ao contrário de Nelson Rodrigues, acredito que a alma de um povo se revela na música e na literatura. Eis, portanto, o jagunço Riobaldo na glória de Guimarães Rosa para explicar o Brasil para o pré-candidato: “Sou só um sertanejo, nessas altas ideias navego mal. Sou muito pobre coitado. Inveja minha pura é de uns conforme o senhor, com toda leitura e suma doutoração.”
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