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MENTOR O experiente Luiz Estevão ensinou o novato Lúcio Funaro a se comportar dentro do presídio (Foto: Ueslei Marcelino/Agif/Folhapress (Luiz Estevão) E Hélvio Romero/Estadão Conteúdo (Lúcio Funaro))
Uma saraivada de aplausos quebrou o silêncio no bloco 5 do Centro de Detenção Provisória da Papuda, em Brasília, na tarde de 19 de dezembro do ano passado. O detento mais ilustre da ala B, o empresário e ex-senador Luiz Estevão, estimulou os companheiros de cárcere a bater palmas em homenagem ao amigo que estava indo para casa, o doleiro Lúcio Bolonha Funaro, que recebera autorização da Justiça para cumprir prisão domiciliar, após fazer uma delação premiada. Funaro se livrara do uniforme branco de presidiário. Agora vestido com uma camisa social de listras escuras e calça jeans, carregava uma mala repleta de documentos de seus processos.
Funaro deixou para trás uma carta destinada ao amigo com quem dividiu um ano e meio de prisão. Nela, agradeceu a Luiz Estevão pela ajuda nos momentos difíceis na Papuda. Luiz Estevão se afeiçoou a Funaro como a um filho. Dava conselhos, discutia estratégias jurídicas, ouvia suas queixas e, no fim, incentivou-o a contar tudo o que sabia.
Funaro, uma espécie de banco central da ilegalidade do MDB, foi preso pela Polícia Federal em 1º de julho de 2016, na Operação Sépsis. A alusão ao termo médico, que define uma doença que se espalha por vários órgãos do corpo, referia-se ao fato de a Lava Jato se expandir da Petrobras para a Caixa. A corrupção sistêmica no banco público era revelada pela primeira vez, e Funaro era um de seus principais operadores, com o então deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ). Preso em São Paulo, ele foi transferido para a Superintendência da PF em Brasília. Na madrugada do dia 27 de julho, um vazamento na tubulação de sua cela forçou sua mudança para uma carceragem improvisada no aeroporto de Brasília. De lá, seus advogados conseguiram a transferência para o bloco 5 do CDP da Papuda – onde haveria melhores condições para encarar uma longa temporada.

Luiz Estevão, que estava em sua segunda passagem pela Papuda e havia sido preso três meses antes, não conhecia Funaro. Embora ambos tenham cometido crimes do colarinho- branco, como corrupção e lavagem de dinheiro, seus esquemas nunca haviam se cruzado. Mais novo, Funaro operava junto a políticos do MDB, fundos de pensão e na Caixa; Estevão se locupletou há mais de 20 anos, principalmente com dinheiro público desviado das obras do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo.
Funaro chegou à Papuda abatido e assustado. Chorava com frequência. Como costumava fazer com os recém-chegados, Estevão se apresentou e manifestou sua solidariedade. Mas foi incisivo. “Lúcio, você é rico, mas eu sou muito mais rico do que você”, disse. “Deixa eu lhe explicar como as coisas funcionam aqui.” Sugeriu a ele ser simpático com os companheiros, comprar lanches na cantina, evitar brigas. Com sua personalidade expansiva e dominante, o empresário já mantinha uma boa relação com os presos da ala B, chamando todos pelo nome e batendo papo com eles sem distinção.
A empatia com Funaro, porém, foi imediata: ambos cometeram crimes do colarinho-branco, conheciam bem operações financeiras sofisticadas, pertenciam a uma mesma classe social e tinham gostos parecidos. Desfrutavam de jatinhos particulares, viagens, vinhos caros. Em uma ala da Papuda onde, dos 60 presos, metade nem havia concluído o ensino médio, Estevão encontrou em Funaro um interlocutor à altura. “Funaro é inteligente, mas Luiz Estevão é inteligente e experiente, vivido. É normal que o mais jovem passe a se aconselhar com ele”, definiu um advogado com trânsito na Papuda.
“Lúcio, você é rico, mas eu sou muito mais rico. Deixa eu explicar como as coisas funcionam aqui”
Luiz Estevão, experiente no presídio da Papuda, para o operador Lúcio Funaro
O que mais abalou Funaro foi ter de ficar longe da filha, que tinha apenas 6 meses na ocasião de sua prisão. Por causa da idade, ela nem podia entrar para visitá-lo – e ele tampouco queria que ela fosse ao presídio. “O que você acha que ela vai pensar sobre mim quando estiver maior?”, perguntava a Estevão. Este o consolava dizendo para ser grato por ter uma filha saudável e uma esposa dedicada. A prisão, dizia Estevão, deveria ser encarada como uma “tragédia passageira”. Funaro começou a ler muitos livros de autoajuda levados por seus advogados e a escutar o amigo com atenção.
A estrutura da prisão, relativamente melhor do que outras pelo país, ajudou Funaro a se restabelecer. O bloco 5 do CDP é uma espécie de área de elite dentro do Complexo Penitenciário da Papuda, ocupado pelos presos considerados “vulneráveis”, como políticos, empresários, ex-policiais e acusados de crimes sexuais. O prédio foi reformado pelo próprio Luiz Estevão antes de ser preso. Uma arquiteta, funcionária de Luiz Estevão, foi designada para cuidar da obra, que incluiu a instalação de 33 vasos sanitários, 23 torneiras, nove pias, 19 portas e a reforma de toda a parte elétrica. Foram gastas 14 toneladas de cimento e usados caminhões-pipa para jogar água na compactação do solo. As celas perderam o aspecto de masmorra predominante no resto da Papuda. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios moveu uma ação de improbidade administrativa contra Luiz Estevão por causa dessa reforma, por ter influenciado o Estado a favorecê-lo.

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