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Após nove anos, vai a júri popular caso de deputado do Paraná que matou jovens ao dirigir alcoolizado

Após nove anos de protelação, manobras judiciais e provas desaparecidas, vai a júri o escandaloso caso do ex-deputado estadual do Paraná que matou dois jovens quando dirigia alcoolizado a 170 quilômetros por hora

JUSSARA SOARES| DE CURITIBA
23/02/2018 - 21h27 - Atualizado 23/02/2018 22h11
>> >> Trecho da reportagem de capa de ÉPOCA desta semana
Eram cerca de 20 horas do dia 6 de maio de 2009, quando o então deputado estadual Luiz Fernando Carli Filho, de 26 anos, eleito pelo PSB do Paraná, chegou ao Edvino Wine Bar, no bairro do Batel, em Curitiba, onde jantaria com três primos e o tio – o também parlamentar Plauto Miró, do DEM. Bonito, rico, de família tradicional de políticos no estado, ele colhia os louros de seu primeiro mandato na Assembleia Legislativa, onde havia pouco tempo apresentara um projeto para dar desconto no IPVA a motoristas exemplares, que não tivessem multas ou infrações na carteira. A turma pediu nhoque, risoto e filé-mignon ao funghi e um vinho chileno. Conversaram, riram e decidiram ir para casa cedo.
>> Editorial: Uns mais iguais que outros
Na saída do restaurante, Carli Filho encontrou o médico Eduardo Missel Silva, seu cardiologista. Resolveram esticar a noite. Às 21h41, os amigos reabriram a conta, conforme consta nos autos do processo que tramitou na Segunda Vara Privativa do Tribunal do Júri do Estado do Paraná. Ao longo de três horas de conversa, entornaram outras três garrafas de vinho. Chegaram a pedir uma quarta, que ficou abandonada pela metade em um decantador. Por volta da meia-noite, a conta chegou – cerca de R$ 700 – e Carli Filho levantou-se da mesa segurando duas taças de vinho junto ao peito como se fosse um bem precioso do qual ele não podia abrir mão. Na porta do restaurante, ele tropeçou no tapete vermelho e foi amparado por duas pessoas.
Quando alcançava o estacionamento, Carli Filho foi interpelado por dois funcionários do restaurante que lhe pediram os copos de volta. Ele balbuciou impropérios até ser contido pelo amigo, que, polidamente, pediu para o manobrista guardar o carro do deputado, que estava sem condições de dirigir. Missel e Carli Filho entraram em outro veículo. Ele seria guiado por Daniela Daretti, que havia se juntado à dupla durante o jantar e havia bebido apenas uma taça de vinho tinto. Foi quando, num ímpeto, depois de já ter se aboletado no banco traseiro, Carli Filho abriu a porta e disse que iria embora por conta própria. Na hora em que tentou sair do carro, caiu de quatro no chão, em posição de cachorro. Um segurança tentou ampará-lo, mas foi empurrado. Entrelaçando as pernas, Carli Filho pegou a chave de seu Passat preto, ligou a ignição e partiu cantando os pneus. De acordo com depoimentos na Justiça, o segurança comentou com o manobrista: “É por isso que acidentes acontecem. O pessoal bebe e sai dirigindo.”
Naquela mesma noite, por volta das 20 horas, a menos de 2 quilômetros do restaurante, o estudante de jornalismo Gilmar Rafael Souza Yared, de 26 anos, chegava à Primeira Igreja Batista, também localizada no Batel. Criado em família evangélica, estava retomando a prática religiosa, ainda que gostasse de baladas e agitos com amigos. Havia pedido ao colega Antonio Amaral para acompanhá-lo ao culto. Na igreja, Yared, segundo contou o amigo, emocionou-se com a pregação do pastor. “Ele estava muito feliz. Mudaria para a Austrália, onde faria intercâmbio”, resumiu Amaral.
Por volta das 22 horas, ambos seguiram para uma lanchonete, onde tomaram suco e comeram hambúrguer. Dali a pouco, Yared se encontraria com Carlos Murilo de Almeida, de 20 anos, no Park Shopping Barigui, onde ele trabalhava como gerente do cinema. Colegas na faculdade de jornalismo da Universidade Tuiuti, Almeida avisara à mãe, a auxiliar de limpeza Vera de Almeida, que não voltaria para sua casa, em Campo Largo, cidade da região metropolitana de Curitiba. Informara que sairia com Yared e só voltaria no dia seguinte. À meia-noite, Almeida entrou no Honda Fit do amigo e saíram. Percorreram cerca de 900 metros. No segundo cruzamento, o sinal estava piscando de maneira intermitente, o que exigia que os motoristas redobrassem a atenção. Segundo consta nos autos, uma testemunha viu Yared reduzir a velocidade e lentamente fazer a conversão à esquerda para a via expressa. A velocidade permitida era de 60 quilômetros por hora.
Foi quando um Passat preto, a 170 quilômetros por hora – como atestam os laudos periciais –, quase catapultado por um ligeiro aclive da pista, decolou do solo atingindo o Honda Fit como um bloco de chumbo que tivesse caído do céu. O impacto causou a destruição total do automóvel. Yared e Almeida morreram na hora. Segundo peritos, sem ter sequer percebido o que acontecera. Pedaços dos corpos dos dois jovens se espalharam pela avenida. A cabeça de Yared foi encontrada a 30 metros de distância do carro. O corpo de Almeida, sentado no banco do carona, foi partido ao meio.
Dentro do Passat totalmente destruído, Carli Filho, com o rosto coberto de sangue, estava consciente. Quando os bombeiros chegaram – meia hora depois do desastre –, ele disse se chamar Fernando, seu segundo prenome. Os socorristas perceberam o hálito etílico do então deputado. Com fraturas na face, ele foi levado para o Hospital Universitário Evangélico de Curitiba, onde foi atendido pela médica Virgínia Helena de Souza, então chefe da UTI. Anos depois, ela ganharia as manchetes da imprensa ao ser acusada de apressar a morte de pacientes no hospital – acusação da qual foi absolvida recentemente. Três dias depois, após a primeira de muitas operações, Carli Filho foi transferido de jatinho para o Hospital Albert Einstein, em São Paulo.
Passados nove anos, o julgamento de Carli Filho foi marcado para os dias 27 e 28 de fevereiro. Ele renunciou ao mandato, sofreu dezenas de cirurgias, respondeu a um longo processo judicial, mas jamais sofreu qualquer consequência de seu crime. O caso entrou para os anais da Justiça como um exemplo da protelação por meio de recursos jurídicos e da capacidade de pessoas influentes de buscar e pagar pela impunidade. “O caso tramitou rápido na Justiça do Paraná. Toda demora se deu nos tribunais superiores em Brasília”, disse a ÉPOCA o advogado da família Yared, Elias Mattar Assad. “Existe o direito de recorrer e o abuso do direito de recorrer”.


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